terça-feira, 23 de outubro de 2012

Quem sai aos seus...


Há dias, numa viagem num eléctrico de Lisboa, comentei com uma pessoa que ia comigo que me dava a ideia de que havia cada vez mais carteiristas nos eléctricos. Ao ouvir o meu comentário, uma senhora de aspecto simpático, dos seus 70 anos mas muito bem vestida e com a maquilhagem toda no sítio, diz-me:
"Ui, nem me diga nada!"
Sorri para a senhora, que não conhecia, e disse-lhe:
"Pois é. Falta aqui um PSP para pôr ordem nisto."
E pronto, pensei eu. 90% das conversas ocasionais com pessoas que não conhecemos terminam ao fim de duas falas e, basicamente, só se dizem lugares comuns, por isso, esta estava despachada. Sorri para a senhora à espera que ela dissesse qualquer coisa do género "Isso é que era. Isso é que era..." (duas vezes para deixar a ideia no ar) e a conversa terminaria ali.
Em vez disso, foi como se eu, ao dizer aquilo, tivesse arrancado uma rolha da boca da senhora porque ela começou a jorrar conversa por todo o lado, que eu mal tempo tinha de amparar com os meus "Pois é, pois é..." (foi aqui que percebi que dizer a mesma coisa duas vezes só tem o efeito de deixar a conversa no ar se a pessoa com quem estamos a falar nos ouvir a dizer isso...)
Fiquei a saber quantos são os carteiristas, onde se encontram, as nacionalidades, que têm um advogado muito bom, que são ricos, que pôem criancinhas a trabalhar para eles ("O quê, você não viu isso no telejornal?? Deu ontem!") e que se vestem todos muito bem. Ah, e que as mulheres também são muito boas no gamanço. E que andam polícias à paisana nos eléctricos. Só não fazem é nada.
Até aqui tudo certo. Está bem que levei um puxão de orelhas por não ter visto o telejornal, mas até tive direito ao compacto mensal em 15 minutos. O pior foi quando a senhora, fazendo olhos tristes, me diz:
"Isto está muito mau para vocês..."
Oi? Tu queres ver que me conheces e eu não faço a menor ideia de onde? Esforcei-me por perceber se a conhecia mas, como não chegava a nenhuma conclusão, fiz aquilo que me competia e, tentando evitar males maiores, teimei:
"Pois é, pois é..."
Mesmo assim, perante a minha insistência, a senhora responde:
"O meu filho está no Koweit. Mas pronto, como está com a família lá, está bem."
Aquilo estava a ficar complicado. Às tantas, eu até o filho dela conhecia. Este tipo de coisa está sempre a acontecer-me e temi que a próxima fala dela fosse: "Então e a Maria, está tudo bem com ela?" Pode parecer difícil de compreender mas para quem tem mais de 30 tios e tios-avós e outros tantos primos que só vê nos casamentos e funerais, estas coisas fazem parte do dia-a-dia. Eu tinha que tentar perceber o que é o que o tipo lá fazia e, se possível, o nome dele. Num arriscado golpe de asa, disse-lhe:
"Pois, mas se está a trabalhar já não é mau. E o que é que ele está lá a fa..."
Mas a mulher era esperta e interrompeu-me logo. Às tantas era mesmo minha tia-avó em 4º grau e devia estar, também ela, a aperceber-se disso. Em vez de continuar a falar sobre o Koweit, passou ao contra-ataque e perguntou-me:
"E você? Ainda está a estudar ou já trabalha?"
Mal tive tempo de lhe responder e cheguei à minha paragem. Despedi-me da senhora com um "Até à próxima." e fiquei à espera de ouvir: "Dá cumprimentos meus à Maria e aos teus pais." mas nada.
E foi aí que percebi que ela devia ser mesmo uma das minhas tias mais velhas. Todo o comportamento dela era típico dos membros da família que se vêem menos vezes - reconhecemos quem é da família, tentamos perceber quem são sem ir directamente ao assunto mas no fim não gostamos de dar parte de fracos se não tivermos tempo de nos lembrarmos do nome dos membros com quem estamos a falar.
Ou então sou só eu que sou assim e nesta altura tenho uma tia-avó em 4º grau chateada comigo porque não a reconheci. Bolas...

5 comentários:

  1. Também tenho tendência para apanhar com cromos desses, a tua sorte é que estavas num transporte e tinhas de sair... imagina se não tivesses! Já apanhei secas de desconhecidos de mais de uma hora.

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  2. :) ahaha o que que me ri! Eu como costumo ir trabalhar de autocarro costumo apanhar com isso, em dias que não estou com disposição ponho o meu mais mais desagradável e já ninguém me dirige a palavra!

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  3. hehhe. Engraçado, complicado, mas entendo. Tem dias que quase me escondo nos bancos, mas não há jeitos! heheh

    Bom demais teu blog.
    ops...
    Fique calmo, não sou como a senhora de tua conversa!
    (=

    pois é, pois é!!!

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  4. MaR, :D!

    Vespinha, é chato virar a cara, né?

    Maria, é uma boa técnica. Vou experimentar!

    R. Vieira, há dias que só debaixo dos bancos é que ninguém nos chateava... :)

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