sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Há sempre uma linha


Há uma linha que separa o cansaço intelectual da insanidade mental e, penso eu, cada pessoa saberá onde traça a sua. Eu sei precisamente quando ultrapasso a minha. E é quando me sento no sofá, ligo a televisão, está a dar o Glee, uma série sobre estudantes do secundário que falam uns para os outros a cantar, e eu aguento mais de 10 minutos sem mudar de canal. Hoje estive 12 minutos e 24 segundos a ver um gajo a cantar com voz de falsete porque levou pancada dos colegas da escola (o falsete deve ser por lhe terem acertado num certo sítio) e não fosse ter baba a escorrer-me da boca, acho que ficava a ver aquilo até ao fim.
Felizmente não atinjo este ponto de exaustão muitas vezes. Mas quando tenho trabalhos para entregar que me obrigam a ficar fechado em casa durante uma semana, já sei no que é que vai dar. O problema é quando uma pessoa ignora os sintomas de aviso. Por isso, e como já vou tendo alguma experiência no assunto, vou deixar aqui uma lista de sintomas para que, quem tiver que ficar muito tempo fechado em casa, ou no escritório, a trabalhar, possa identificar e parar de imediato o que está a fazer, para não ter que passar por sofrimentos como aquele que eu passei.
Então, cá vai:
1 - No papel trabalha-se com lápis, caneta e borracha. No computador é com o rato. Não vale a pena desesperar porque fecharam o caderno onde estavam a desenhar ou a escrever e se esqueceram de carregar no botão "Save". A sério, o caderno não tem. Assim como também é escusado procurar na folha de papel o botão "Undo". Isso é no computador. No papel usa-se a borracha.
2 - O que aquece a comida é o microondas. O frigorífico arrefece-a. Não vale a pena por um prato de comida no frigorífico e depois ir à procura do botão para regular o tempo na porta do frigorífico. Ele não está lá.
3 - Quando se está fechado em casa, por incrível que pareça, o tempo continua a passar. Não vale a pena discutir a data do dia em que se está com uma pessoa que esteja a fazer a sua vida normal. O mais certo é não se ter razão.
4 - Se o mastigar de salada de alface macia da Maria, ao jantar, mais parece o barulho de um exército a marchar, respirem fundo. Como no fim do dia os olhos já mal conseguem ver, a audição fica mais apurada. Mas, na verdade, aquilo mal se ouve. A sério. Pronto, ouve-se um bocadinho, mas não é caso para dramas.
5 - Apesar de se passar o tempo em casa, tomar banho continua a ser importante. Se, por um segundo, o pensamento "Se calhar nem vale a pena tomar banho, nem vou sair de casa!" ocorrer, o caso está a ficar grave.
Com a identificação destes sintomas, só chegam ao Glee se não lhes derem importância. Ou se forem mulheres. Ou se... pois, nada.
Mas se lá chegarem, sejam fortes, desliguem a televisão e rezem. Eu sobrevivi. Mas não garanto que todos consigam.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Quem sai aos seus...


Há dias, numa viagem num eléctrico de Lisboa, comentei com uma pessoa que ia comigo que me dava a ideia de que havia cada vez mais carteiristas nos eléctricos. Ao ouvir o meu comentário, uma senhora de aspecto simpático, dos seus 70 anos mas muito bem vestida e com a maquilhagem toda no sítio, diz-me:
"Ui, nem me diga nada!"
Sorri para a senhora, que não conhecia, e disse-lhe:
"Pois é. Falta aqui um PSP para pôr ordem nisto."
E pronto, pensei eu. 90% das conversas ocasionais com pessoas que não conhecemos terminam ao fim de duas falas e, basicamente, só se dizem lugares comuns, por isso, esta estava despachada. Sorri para a senhora à espera que ela dissesse qualquer coisa do género "Isso é que era. Isso é que era..." (duas vezes para deixar a ideia no ar) e a conversa terminaria ali.
Em vez disso, foi como se eu, ao dizer aquilo, tivesse arrancado uma rolha da boca da senhora porque ela começou a jorrar conversa por todo o lado, que eu mal tempo tinha de amparar com os meus "Pois é, pois é..." (foi aqui que percebi que dizer a mesma coisa duas vezes só tem o efeito de deixar a conversa no ar se a pessoa com quem estamos a falar nos ouvir a dizer isso...)
Fiquei a saber quantos são os carteiristas, onde se encontram, as nacionalidades, que têm um advogado muito bom, que são ricos, que pôem criancinhas a trabalhar para eles ("O quê, você não viu isso no telejornal?? Deu ontem!") e que se vestem todos muito bem. Ah, e que as mulheres também são muito boas no gamanço. E que andam polícias à paisana nos eléctricos. Só não fazem é nada.
Até aqui tudo certo. Está bem que levei um puxão de orelhas por não ter visto o telejornal, mas até tive direito ao compacto mensal em 15 minutos. O pior foi quando a senhora, fazendo olhos tristes, me diz:
"Isto está muito mau para vocês..."
Oi? Tu queres ver que me conheces e eu não faço a menor ideia de onde? Esforcei-me por perceber se a conhecia mas, como não chegava a nenhuma conclusão, fiz aquilo que me competia e, tentando evitar males maiores, teimei:
"Pois é, pois é..."
Mesmo assim, perante a minha insistência, a senhora responde:
"O meu filho está no Koweit. Mas pronto, como está com a família lá, está bem."
Aquilo estava a ficar complicado. Às tantas, eu até o filho dela conhecia. Este tipo de coisa está sempre a acontecer-me e temi que a próxima fala dela fosse: "Então e a Maria, está tudo bem com ela?" Pode parecer difícil de compreender mas para quem tem mais de 30 tios e tios-avós e outros tantos primos que só vê nos casamentos e funerais, estas coisas fazem parte do dia-a-dia. Eu tinha que tentar perceber o que é o que o tipo lá fazia e, se possível, o nome dele. Num arriscado golpe de asa, disse-lhe:
"Pois, mas se está a trabalhar já não é mau. E o que é que ele está lá a fa..."
Mas a mulher era esperta e interrompeu-me logo. Às tantas era mesmo minha tia-avó em 4º grau e devia estar, também ela, a aperceber-se disso. Em vez de continuar a falar sobre o Koweit, passou ao contra-ataque e perguntou-me:
"E você? Ainda está a estudar ou já trabalha?"
Mal tive tempo de lhe responder e cheguei à minha paragem. Despedi-me da senhora com um "Até à próxima." e fiquei à espera de ouvir: "Dá cumprimentos meus à Maria e aos teus pais." mas nada.
E foi aí que percebi que ela devia ser mesmo uma das minhas tias mais velhas. Todo o comportamento dela era típico dos membros da família que se vêem menos vezes - reconhecemos quem é da família, tentamos perceber quem são sem ir directamente ao assunto mas no fim não gostamos de dar parte de fracos se não tivermos tempo de nos lembrarmos do nome dos membros com quem estamos a falar.
Ou então sou só eu que sou assim e nesta altura tenho uma tia-avó em 4º grau chateada comigo porque não a reconheci. Bolas...

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Join2Write (and 2 draw!)


Fico sempre muito surpreendido quando sou convidado a participar em projectos interessantes. Habitualmente, sou convidado a participar em coisas que o são muito pouco. Ainda há bocado fui convidado a fazer o jantar cá de casa e, não é que não seja interessante ter jantar para comer mas, não se pode dizer que seja daqueles convites muito entusiasmantes. Assim de repente, consigo lembrar-me de um ou dois convites que, sendo feitos pela mesma pessoa que me fez este do jantar, poderiam ser bem mais engraçados... Mas adiante.
O projecto interessante para o qual fui convidado é o Join2Write. A ideia partiu da Susana Gonçalves e, basicamente, consiste em fazer um livro onde cada capítulo é escrito e ilustrado por um escritor e um ilustrador diferente, sendo que os escritores têm que se candidatar para entrar e os ilustradores são convidados (fait attention!). É um bocado como aqueles jogos parvos que se faziam na escola, onde cada aluno da turma tinha que contribuir com uma frase para uma história que se ia contando à medida que se ia pensando, mas "com estilo".
Cada vez que um novo capítulo é escrito, é publicado no site do projecto, ficando o livro cada vez mais completo. No capítulo IV, em breve, deve aparecer um desenho como ali o de cima, mas já estão 14 capítulos publicados. De acordo com o calendário, ainda antes do Natal o livro deverá estar totalmente escrito. A história está a ficar bastante intrincada e, como nunca é a mesma pessoa a escrever o capítulo seguinte, o enredo pode tomar rumos inesperados. Quer dizer, pelo menos até ao capítulo IV foi assim.
O resto estou a contar ler quando for editado em papel. Sim, que se a coisa correr como esperado, o livro é editado e a minha conta bancária vai ficar tão cheia que até vai deixar de fazer eco de cada vez que lá cai um depósito.
Bem, pelo sim pelo não, acho que vou lá passar de vez em quando para ler o resto da história. É que estava a ficar engraçada e, como a edição em papel pode demorar muito, depois tenho que voltar a ler os primeiros 4 capítulos.
Posso ter coisas em que sou parecido com um elefante (brincalhão...), mas a memória não é uma delas.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Há males que vêm por bem


Eu, que nunca ganho nenhum prémio em passatempos (talvez por nunca participar em nenhum), estava, aqui há dias, a vegetar no facebook quando vi um passatempo do jornal Sol a oferecer 20 bilhetes duplos para a ante-estreia do filme "Astérix ao serviço de Sua Majestade". Para se ganhar bastava enviar uma frase por mail, que vinha no próprio anúncio, e ser dos primeiros 20 a fazê-lo.
O post já trazia 10 comentários quando lhe pus a vista em cima mas, ao lê-los percebi que ainda tinha uma hipótese. Era pouco provável que as pessoas que se deram ao trabalho de comentar para dizer que não concorriam porque não podiam ir no dia da ante-estreia, ou porque para o interior do país nunca há prémios e que o jornal é uma treta, tenham concorrido.
Apesar de céptico, lá enviei o dito mail. Mesmo que não ganhasse, não custava nada e, era o mínimo que eu podia fazer pelo Astérix. Afinal de contas, o Astérix fez muito pela minha pessoa. Pela minha e pela dos meus pais e irmãos, que quando eu fazia anos, tinham nos livros da colecção uma certeza de que eu, não só ia ficar satisfeito, como me ia calar, pelo menos na meia hora em que estivesse a devorar o livro. E isso tinha a sua importância.
Ao longo dos anos, tornei-me um devoto da Asterixologia (com a vantagem de, aqui, não ter que comer a placenta de ninguém...). Cheguei a poupar durante um mês até arranjar 600 paus para comprar uma revista de jogos de computador, para sacar o poster do Astérix e o afixar no guarda-fatos do meu quarto. Delirei com as histórias do Goscinny e chateei-me com quem criticou as do Uderzo, que passou não só a desenhar como a escrever, para a série não morrer. Desejei tanto ir ao Parque Astérix em Paris como me irritei com a porcaria dos dois primeiros filmes, onde a inteligência do humor dos livros foi reduzida a simples idiotice no cinema. Mas se sai um filme novo, eu tenho que ver, nem que seja para dizer mal.
E bem, ao fim de uma hora, lá recebi a resposta do Sol a dizer que, sim senhor, eu tinha ganho dois bilhetes para... sábado dia 13 às 10h30.
É incrível como uma pessoa consegue criticar um gajo qualquer que se dá ao trabalho de comentar no post do facebook do concurso que não concorre porque não tem disponibilidade para a hora da exibição mas não é capaz de verificar se, ao contrário desse gajo, pode ir antes de concorrer. E não. Eu já tinha coisas combinadas e não podia ir mas tinha acabado de ganhar a porra de dois bilhetes para um filme que queria mesmo ir ver.
A solução era tentar oferecê-los a alguém. Falei com a família, com amigos e nada. Ninguém podia ir. Ainda assim quis ir levantar os bilhetes ao Colombo. Podia sempre tentar oferecê-los aqui no estaminé ou emoldurá-los e pendurá-los ao pé do poster. Dei-me ao trabalho de lá ir às 22h, cansado mas determinado, com a Maria em casa a pensar que se fosse pelo Twilight nem do sofá me mexia. Quando lá cheguei, fui atendido por um rapaz, com uma t-shirt do Astérix, que não sabia como é que se davam bilhetes para a ante-estreia. O rapaz chamou a colega, que também não sabia, mas sabia chamar a outra colega, que fingiu que sabia mas não se lembrava. Sabia que os bilhetes de oferta para a ante-estreia não se vendiam, mas o seu vasto conhecimento ficava-se por aí. Por sorte, estava uma colega a varrer o chão que, ao ver ali tanta gente, resolveu ser bondosa e dizer que os bilhetes para ante-estreias só são distribuídos imediatamente antes da exibição.
Só antes da exibição? Bolas... Eu que queria honrar um ídolo da juventude, estava-me a sentir um miserável.
Mal cheguei a casa, para acalmar a dor que me atormentava, fui ver o trailer ao youtube. E, mais uma vez tive que dar razão a quem diz que nada acontece por acaso. Afinal, em vez de estar a deixar ficar mal o Astérix, eu estava era a homenageá-lo. Isso mesmo. Ao ganhar dois bilhetes para a ante-estreia e não podendo ir nem oferecê-los a alguém, eu poupei um sofrimento atroz a duas pessoas. (o filme parece fraquíssimo e a dobragem portuguesa dá-lhe um toque especial...)
Pelo menos até ao Natal, quando passar na televisão. E ao Carnaval, quando voltar a dar. E à Páscoa quando já estiver toda a gente farta. E ao Natal do próximo ano. Hummm, quer dizer, talvez aí seja mesmo o Twilight e, talvez, quem sabe aí, eu vá dar valor ao filme.
Nerd do Astérix, quem, eu? Nah...

terça-feira, 9 de outubro de 2012

As professoras ficam sempre com os totós...


Aqui há dias, estava eu muito bem a navegar na net no sofá da sala quando me apercebo que, ao meu lado, a Maria estava lavada em lágrimas. Tentei perceber se se teria aleijado no sofá ou se seria pela imensa e transbordante felicidade e rejubilo de eu estar ali ao lado dela mas, ao olhar com mais atenção, percebi logo qual era o problema. E não tinha nada a ver comigo. Era mesmo grave. A Maria estava prestes a perder uma boa amiga.
Sim, isso mesmo. A Maria tem um grupo de amigos que ia num avião que se despenhou no meio da floresta, e uma delas não resistiu aos ferimentos. Felizmente, como eram todos médicos, dois ou três que estavam feridos conseguiram escapar. Até uma que tinha o osso da perna de fora escapou na boa. E outro que tinha o braço a desfazer-se ficou bom com um alfinete de dama a juntar os pedaços de carne. Os bons médicos são assim. A que esticou o pernil, perdão, a que faleceu levou com um motor em cima. Coisas da vida. O gajo de quem ela gostava esteve com ela até aos momentos finais todo emocionado. Acho que ele também gostava dela, mas preferia andar a papar as amigas. Mas isso não interessa nada porque, pelo que aprendi com esses amigos da Maria, há certas coisas que um gajo janota pode fazer que não deixa de ser janota. Já um totó... Adiante.
Ao ver a tristeza da Maria, disse-lhe para ir desanuviar com aquela família com quem ela se dá muito bem. São todos muito animados, especialmente uma colombiana, que é casada com um velhote e que é toda jeitosa. Fala é aos berros, mas a Maria precisava de ânimo.
Como esses não estavam disponíveis, foi ter com uma amiga toda divertida que vive com três rapazes na mesma casa. Ela é professora, um dos gajos é barman, outro é advogado e anda com uma jeitosa e o outro não faço ideia. Dá-me a ideia de que o barman e a professora vão ficar juntos, mas é melhor não dizer nada, não vá um motor de avião cair em cima da rapariga.
Depois de estar com eles, a Maria ficou logo mais animada e com vontade de ir ter com uma amiga que fez há duas semanas, que é mediadora de conflitos. Não é bem advogada, mas, como é jeitosa, anda a papar dois colegas advogados e não sabe com qual é que há-de ficar. Mas ela também não podia estar com a Maria. E não é de estranhar. Com a vida ocupada que ela tem...
Para mim, desde que a Maria fique mais animada, até pode convidar lá para casa um cozinheiro muito bom que ela conhece, apesar do gajo berrar que se farta e chamar nomes a toda a gente. Ela dá-se bem com ele mas ele tem é a mania. Se ele provasse os legumes da Maria até se calava, mas pronto. Ela conhece outro, que é assim meio sopinha de massa, que também cozinha bem mas ele agora anda nos EUA a ensinar os putos a comer comida de jeito e nem sempre pode. Esse farta-se de chorar e quando é assim, a Maria gosta de estar com uma dondoca inglesa, que passa a vida fechada em casa a cozinhar para a família.
O problema é que estes amigos da Maria são pessoas tão instáveis e precisam tanto do apoio dela que, depois, não tenho tempo para estar com alguns dos meus amigos. E bem que eles precisam do meu apoio.
Tenho uns que se vestem de vermelho e andam em grupos de onze atrás de uma bola mas a Maria diz que me enervo quando estou com eles. Eu digo-lhe que depois desanuvio com outros onze divertidos que se vestem de verde às riscas e fingem que também correm atrás de uma bola, mas nem assim tenho hipótese. E eu percebo. Nenhum deles anda a papar os colegas. Quer dizer, que eu saiba.
Mas isso também não é lá grande argumento. Às vezes convido uns tipos da política lá para casa mas a Maria nunca tem grande paciência. E é isso que não percebo. Se há pessoa que devia gostar deles é a Maria. Ela gosta dos amiguinhos dela que se papam uns aos outros. E não gosta destes, que nos papam a todos, todos os dias.
Até aposto que passava a gostar se eles se despenhassem no meio da floresta e levassem com um motor de avião em cima. Eu cá, também ainda não perdi a esperança de ver isso a acontecer.
E até era gajo para chorar um bocadinho.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Não foi desta que libertei o Tony Carreira que há em mim


Quando era miúdo, lembro-me de os meus pais receberem convites para irem ao salão de Bombeiros lá da terra buscar uma prenda a que tinham direito, desde que aceitassem levar com uma seca de um vendedor a apresentar os seus produtos da treta, que podiam ir desde um magnífico colchão de esponja a um conjunto de panelas reluzente. Se os produtos eram da treta, já as prendas que atraiam as pessoas eram sempre qualquer coisa do outro mundo. Só para se ter uma ideia, lembro-me agora assim de repente de extraordinários relógios de pulso e de balanças de cozinha. Tudo coisas que funcionavam sempre para cima de sete vezes. Cinco, vá. Três e não se fala mais nisso, pronto.
Ainda assim, os meus pais recusavam esses convites quase sempre, para meu grande espanto. Sempre achei que a coisa valia a pena e era do mais simples que havia. Levavam-se uns tampões para os ouvidos, batia-se uma soneca numa cadeira do salão enquanto os tipos não se calavam e, no fim, pegava-se na máquina fotográfica descartável (pessoas com menos de 20 anos poderão ter dificuldade em perceber o que é isto) e trazia-se para casa. Simples e eficaz.
Mas esta semana, tudo mudou.
Ora, sucede que fui convidado para uma dessas secas num hotel todo pipi de Lisboa. Sim senhor que tinha a sua boa dose de seca prometida, mas as prendas, oh meu Deus. As prendas eram espectaculares. Nada mais que uma caneta, um bloco de folhas e um pequeno almoço. Ou melhor, um brunch, tendo em conta que foi às 11h00. Se bem que brunch é um conceito que não domino. Nunca percebi o que é que faz de uma refeição um brunch. Se é o conteúdo ou se é a hora a que é comido. Enfim. Enigmas da Humanidade.
Mas era a oportunidade ideal para pôr em prática aquilo que eu sempre tinha idealizado em miúdo, quando os convites chegavam debaixo da porta da casa dos meus pais. Assim, à hora combinada, lá fui eu e a minha irmã mais velha ao sermão que dava direito a um monte de bugigangas e à concretização de um sonho de miúdo.
O problema foi que o vendedor que falou antes do brunch (deixem-me ser feliz...) se chamava Álvaro e, a avaliar pela forma como as pessoas o cumprimentavam, parecia ser Ministro da Economia. Esteve uma eternidade de tempo a vender a ideia de que, até à sua chegada, tudo foi mal feito e que, depois de ter posto mãos na massa, Portugal melhorou "imenso" e vai continuar a melhorar. Tudo graças a ele, claro. Tinha esperança que o totó, quer dizer, Sua. Exa., tivesse um rebate de consciência, e que percebesse que o produto que vende é a banha da cobra, mas nada.
Não lhe comprei a ideia e as prendas até foram jeitosas (a caneta deu para fazer dois desenhos durante o sermão antes de pifar e os croissants mistos e os pastéis de nata eram do melhor). Devia ter sido a concretização do sonho de menino (e a libertação do Tony Carreira que há em mim), mas não foi.
Há coisas que nos tentam vender que são tão ofensivas e irreais que nem o melhor pastel de feijão servido num guardanapo preto justificam o tempo despediçado a ouvi-las.
Os (meus) velhotes é que a sabem toda.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Receber pessoas em casa - dicas para o sucesso


Este fim-de-semana recebi cá em casa uns amigos. Como em tudo na vida, quanto mais vezes recebemos amigos, melhor as coisas correm. E desta vez, não foi diferente. Aliás, correu tudo tão bem que me sinto na obrigação de partilhar o meu vasto conhecimento nesta área. Não seria justo que, sendo eu, e a Maria vá, tão bons cicerones, as pessoas ficassem privadas deste nosso imenso conhecimento.
Para não ser maçador, deixo aqui apenas algumas dicas. O resto fica para a edição de um best-seller. Ora então, cá vai:
1 - Umas horas antes dos convidados chegarem, bebam café no sofá da sala, para variar, e façam uma nódoa valente mesmo no centro do sofá. Desta forma, não se esquecem de usar aquela capa de sofá que já tem uns anitos e que até já estava esquecida. Os convidados ficam agradados de ver que a casa não está sempre igual.
2 - Marquem o dia de receber pessoas para o dia em que o gás se acaba (sim, cá em casa ainda se trabalha com garrafa de gás). Assim, cravam logo a ajuda de um convidado e safam-se de ter que fazer a salada enquanto a vão substituir às bombas.
3 - Comprem vinho sem se preocuparem com o facto de terem deixado o saca-rolhas em casa dos vossos pais. É uma das melhores formas de mostrarem as vossas habilidades aos convidados. A minha sugestão é aparafusar um parafuso na rolha e puxar com um alicate. (as mulheres costumam ficar doidas com este número...)
4 - Usem carregadores de telemóvel do chinês e, uns dias antes da visita, deixem-nos ligados à tomada sem carregar nenhum telemóvel. Já ouviram dizer que eles rebentam se estiverem muito tempo ligados à tomada sem carregar nada? Pois sim, é verdade. O rebentamento de um carregador a meio da noite para acordar toda a gente, incluindo os convidados que estão a dormir, é uma excelente forma de cortar a monotonia própria da noite. Já para não falar nos efeitos visuais que são qualquer coisa de extraordinário.
5 - De manhã, não digam aos convidados que a água quente do banho só dura 5 minutos porque a chaminé não está a fazer a exaustão do gás do esquentador que se acumula na cozinha. Eles descobrem por eles quando apanharem um choque de água fria e ficam despertos num instante. No fim de contas, é para o bem deles.
6 - Para acabar em grande. Ponham a mesa para o pequeno almoço com a louça do costume, incluindo o açucareiro que já foi frasco de azeitonas de uma grande superficie comercial, e que ainda tem o rótulo. Mas deixem o açucareiro de verdade, aquele que custou uma pipa de massa, à vista de toda a gente. Primeiro para as pessoas saberem que os cicerones são pessoas com personalidade e, depois, porque proporciona sempre bons momentos de conversa. "Porque é que pões o açúcar aqui? Tens ali um açucareiro..." O problema, nesta fase, pode ser convencer os convidados de que o açucareiro que compraram é mesmo dificil de usar e que o problema não é cromice nem falta de jeito.
Mas atenção. Esta dicas são para ser seguidas à risca e com todo o cuidado. Não me responsabilizo por saídas de convidados antes do tempo.
Nem por tomadas queimadas.