quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Não foi desta que libertei o Tony Carreira que há em mim


Quando era miúdo, lembro-me de os meus pais receberem convites para irem ao salão de Bombeiros lá da terra buscar uma prenda a que tinham direito, desde que aceitassem levar com uma seca de um vendedor a apresentar os seus produtos da treta, que podiam ir desde um magnífico colchão de esponja a um conjunto de panelas reluzente. Se os produtos eram da treta, já as prendas que atraiam as pessoas eram sempre qualquer coisa do outro mundo. Só para se ter uma ideia, lembro-me agora assim de repente de extraordinários relógios de pulso e de balanças de cozinha. Tudo coisas que funcionavam sempre para cima de sete vezes. Cinco, vá. Três e não se fala mais nisso, pronto.
Ainda assim, os meus pais recusavam esses convites quase sempre, para meu grande espanto. Sempre achei que a coisa valia a pena e era do mais simples que havia. Levavam-se uns tampões para os ouvidos, batia-se uma soneca numa cadeira do salão enquanto os tipos não se calavam e, no fim, pegava-se na máquina fotográfica descartável (pessoas com menos de 20 anos poderão ter dificuldade em perceber o que é isto) e trazia-se para casa. Simples e eficaz.
Mas esta semana, tudo mudou.
Ora, sucede que fui convidado para uma dessas secas num hotel todo pipi de Lisboa. Sim senhor que tinha a sua boa dose de seca prometida, mas as prendas, oh meu Deus. As prendas eram espectaculares. Nada mais que uma caneta, um bloco de folhas e um pequeno almoço. Ou melhor, um brunch, tendo em conta que foi às 11h00. Se bem que brunch é um conceito que não domino. Nunca percebi o que é que faz de uma refeição um brunch. Se é o conteúdo ou se é a hora a que é comido. Enfim. Enigmas da Humanidade.
Mas era a oportunidade ideal para pôr em prática aquilo que eu sempre tinha idealizado em miúdo, quando os convites chegavam debaixo da porta da casa dos meus pais. Assim, à hora combinada, lá fui eu e a minha irmã mais velha ao sermão que dava direito a um monte de bugigangas e à concretização de um sonho de miúdo.
O problema foi que o vendedor que falou antes do brunch (deixem-me ser feliz...) se chamava Álvaro e, a avaliar pela forma como as pessoas o cumprimentavam, parecia ser Ministro da Economia. Esteve uma eternidade de tempo a vender a ideia de que, até à sua chegada, tudo foi mal feito e que, depois de ter posto mãos na massa, Portugal melhorou "imenso" e vai continuar a melhorar. Tudo graças a ele, claro. Tinha esperança que o totó, quer dizer, Sua. Exa., tivesse um rebate de consciência, e que percebesse que o produto que vende é a banha da cobra, mas nada.
Não lhe comprei a ideia e as prendas até foram jeitosas (a caneta deu para fazer dois desenhos durante o sermão antes de pifar e os croissants mistos e os pastéis de nata eram do melhor). Devia ter sido a concretização do sonho de menino (e a libertação do Tony Carreira que há em mim), mas não foi.
Há coisas que nos tentam vender que são tão ofensivas e irreais que nem o melhor pastel de feijão servido num guardanapo preto justificam o tempo despediçado a ouvi-las.
Os (meus) velhotes é que a sabem toda.

4 comentários:

  1. Há uns anos, os meus pais alinharam numa dessas e lembro-me de os ver chegar a casa com um faqueiro. Pena o tal Álvaro não ter tido uma ideia semelhante para prémio, aposto que muitos o testariam logo ali...

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  2. Brunch nenhum me levava a submeter a tal tortura...

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  3. Sempre foi uma refeição à borla, nos tempos que correm não é nada mau...

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  4. J. Persoa, isso é que era!

    Panda, também já aprendi a minha lição!

    Tétisq, se ao menos viesse com uma etiqueta com o preço... :)

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