quinta-feira, 23 de agosto de 2012

As lições que um elástico pode ensinar


Nunca gostei muito de fazer as lides domésticas. Não é que não as faça e que não saiba que tenho mesmo que fazer, mas é aquele tipo de trabalho de que não consigo gostar. A sorte é que a Maria me ajuda muito nisso. Nas alturas em que é a minha vez de arcar com o trabalho doméstico, ela tem sempre uma palavra amiga de encorajamento.
"O quê, ainda não fizeste o jantar? Sabes bem que hoje é a tua vez! E a roupa? Nem penses que desta vez escapas..."
Mas não sou assim com todos os trabalhos em casa. Se há coisas que gosto de fazer, são pequenas reparações.
Nunca esquecerei o olhar maravilhado da Maria quando montei um interruptor novo, em substituição de outro que se queimou. Ficou com aquele olhar que dizia "Afinal, sempre tens algum préstimo!..." Foi muito emocionante. E um alívio também.  É que já começavam a escassear as coisas em que lhe poderia ser útil. Mesmo naquele assunto em que os homens costumam ser úteis às mulheres, ela não precisava de mim para nada. Sim sim, ela sempre se desenrascou bem a abrir os frascos sozinha.
E ao longo do tempo, fui percebendo que as pequenas reparações cá em casa davam equivalência a trabalhos domésticos - pendurar um quadro perdoava-me fazer uma máquina de roupa, uma tomada equivalia a varrer a casa e montar o autoclismo (uma coisa mais elaborada) já perdoava lavar a casa de banho, o jantar e tratar da loiça.
Na semana passada, saiu-me o jackpot. A sogra telefonou à Maria a dizer que se tinha partido uma trave da cama. Voluntariei-me logo para arranjar a dita. Aquilo era quase um Euromilhões. Sim, os arranjos em casa da sogra costumavam valer o dobro dos arranjos na minha.
No dia combinado, tratei do assunto e, melhor era impossível, até me aleijei numa mão. Foi a sorte da minha vida. Tive direito a folga a fazer três jantares, dois almoços, duas máquinas de roupa e uma limpeza de casa. E quando a cara da Maria começava a azedar, mostrava o dói-dói na mão e pronto, estava feito.
O pior veio depois. Senti precisamente o que sente (ou o que deve sentir, vá...) um vencedor do Euromilhões que torra o dinheiro todo e volta a ficar sem nada. Toda a dor e agonia passaram por mim.
O tempo passou, a ferida sarou e, numa bela manhã, quando procurava roupa interior na gaveta, só lá encontrei os boxers com o elástico estragado, devidamente arrumados, para casos de emergência.
Temendo o pior, perguntei, meio a medo, à Maria:
"Olha, não há roupa lavada?"
"Há! Porquê, tu não tens, é? Eu tenho para mim. Não digas que não te avisei."
Reuni a mim o pouco orgulho que me restava e disse-lhe:
"Para hoje ainda tenho. Deixa estar que logo já ponho a máquina a lavar."
Depois de hoje, tão depressa não volto a desleixar-me nos trabalhos domésticos. Ou isso ou tenho que ver se estrago uma tomada ou uma torneira.
É que andar um dia inteiro com os boxers que mais parece que foram usados pelo nosso avô, não é trabalho fácil.
Mesmo assim, pelo sim, pelo não, depois de lavados, já voltaram para a gaveta. Mais vale prevenir...

8 comentários:

  1. Achas que ir lá a casa arranjar umas tomadas e uns candeeiros também conta?? Tenho todo o gosto em contribuir para as tuas folgas!!!! :D

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  2. hahaha tao verdade!! ele odeia lavar a louca e nao e dado a maquinas de roupa, fico eu com essas tarefas. Reparacoes e lavar o wc com lixivia e pra ele. Gosto disto das divisoes.
    E mais uma vez excelente desenho :)

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  3. ahahah Para hoje ainda tenho? Bem feita. Ela ensinou-te. :P

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  4. Olá, foi com muito gosto que descobri o seu blog. Excelente escrita criativa, que dá gosto de ler. Deixo aqui um conselho: pelo meio das arrumações e reparações, dê-lhe umas flores e diga o quanto ela é importante para si. Comigo (estupidamente) dá direito a uma semaninha de folga.
    O meu blog: http://sitiodehistorias.blogspot.com/

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  5. Lois, acho que se fosse a tua casa arranjar alguma coisa, em minha ia ter que arranjar o dobro... :)

    MissLilly, tb fico sempre com o wc... Porque é que será? :)

    Vespinha, sabe mais que a Amália!

    S*, ensinou-me e bem. A Maria é muito pedagógica!

    Ana, é sim senhor!

    Sónia, obrigado pela sugestão. Vou experimentar! ;)

    Maria, de valor... acrescentado!

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