terça-feira, 23 de abril de 2013

Não sei o que é o Karma, mas foi de certeza


Há coisa de um mês, a Maria perdeu a carteira dos documentos pessoais. Cartão do cidadão, carta de condução e cartões do banco - foi tudo à vida. Como sou um tipo muito compreensivo, não a chateei... nas primeiras 47 vezes que perdeu coisas. Desta vez, saltou-me mesmo a tampa. Não há dia em que ela não perca o telemóvel e, regra geral, está no fundo desse mundo secreto que é a mala dela.
Mas o pior ainda estava por vir. Sim, que mau não é perder os documentos, mau é ter que fazer novos. Dois dias depois, quando perdemos a esperança de que alguém os pudesse entregar numa esquadra (o polícia que nos registou a perda disse para esperarmos 3 dias antes de fazer novos porque às vezes aparece alguém honesto, mas a linguagem corporal dele dizia claramente para irmos o quanto antes à Loja do Cidadão...), a Maria foi pedir as segundas vias à Loja indicada pelo agente.
Quando, ao fim do dia, me contou o rombo que fez na nossa conta bancária, nem quis acreditar. 30€ para a carta de condução, 15€ para o cartão do cidadão, 12€ por cada um dos 2 cartões do banco que lá tinha e, não esquecer, 2,80€ do bilhete de ida e volta do metro. Contas feitas foram 71,80€ à custa da distracção da menina e mais uma vez a tampa a saltar-me com toda a força. Ralhar com a Maria não me trouxe os documentos dela de volta, mas deu-me uma superioridade moral, capaz de fazer com que não tivesse que lavar a loiça durante 2 meses.
O problema é que a felicidade nunca dura muito tempo e, ao fim de uma semana perdi o meu porta-chaves. Podia ter sido em qualquer altura, mas teve que ser a seguir à Maria perder a carteira dela. Quer dizer, aquilo, cá para mim, foi um roubo. Eu nunca perco nada, por isso, certamente foi um roubo. Ou um cão, vá. Também pode ter sido um gato. Isto com os animais nunca se sabe. Mas claro, deu direito a ouvir 22 vezes por dia "Afinal também perdes coisas!". Quando as pessoas não sabem distinguir entre perder uma coisa e ser assaltado por um animal feroz, porque de certeza que foi isso, é muito complicado.
Mas bem, decidi procurar (e por toda a gente a procurar) afincadamente as minhas chaves, a ver se recuperava a superioridade moral as chaves de que tanto gostava. E nada. O animal deve-as ter mesmo comido e depois já se sabe - os ácidos do estômago dos animais ferozes dão cabo de tudo.
Mesmo não aparecendo, decidi esperar mais uns dias antes de mandar fazer umas novas. Afinal de contas, tinha um crédito de 71,80€ amavelmente cedido pela Maria e, mesmo que já não servisse para não ter que lavar a loiça, ainda ía dando para ganhar umas discussões.
O problema foi que, numa saída com a Maria, pimba... perco o meu porta-minas (com o qual desenhei todos os desenhos deste blogue - ainda estou em estado de choque.). Quer dizer... A Maria chamou-lhe perder mas eu acho que não foi nada disso. E não estou a falar de um animal feroz. Cá para mim, daqui por uns dias vai estar no OLX um certo e determinado porta-minas azul da Rotring, com fita-cola à volta para não se desintegrar dar estilo, à venda por uns bons milhões. É certo e sabido. Mas tive que ouvir outra vez a ladaínha da Maria.
Desta vez, não fiz como fiz com as chaves e fui logo comprar outro. Entrar em casa só depois da Maria chegar dia após dia aguentava-se bem. Pior é não ter porta-minas para desenhar. Gastei 4,15€ mas, para ela, foi como se tivesse gasto, sei lá, uns 71,80€. Voltei a puxar dos galões e consegui ganhar mais uma discussão, mas eu já estava a sentir aquela sensação de frieza própria destes momentos. A mesma que o Sócrates teve quando o Mário Soares o chateou para chamar a troika, 2 dias antes de ele se ter convencido e a ter chamado mesmo. Nessa altura, o Sócrates também ganhou a discussão. Foi tal e qual.
No dia seguinte, infantilmente, cometi um erro fatal. Um tipo como eu, pouco habituado a ter razão, devia ter mais cuidado. Aproveitei uma ida às compras ao centro comercial com a Maria para ir à loja das chaves com ela pedir cópias das que tinha perdido. Há coisas que um homem deve fazer sozinho. É quase como ler a Playboy - se um gajo já sabe que vai levar nas orelhas, não convida a mulher para a ler com ele...
Chegados à loja, e meio a medo, comecei, cautelosamente, a perguntar os preços ao empregado:
- Quanto custa uma cópia desta chave pequena?
- 1,75€.
Tudo bem, pensei eu. E arrisquei mais um pouco:
- E destas grandes?
- 10€.
Fiz umas contas de cabeça e estava safo. 11,75€ era bem menos que 71,80€. As coisas estavam a correr bem. Pedi as duas mas estava escrito (talvez mesmo nas estrelas) que não me ía safar facilmente dali. A Maria vê um expositor de chaves para carros e pergunta-me se eu não queria pedir também uma cópia para a chave do carro, que também lá estava no chaveiro que perdi, quer dizer, que me comeram. Caramba, eu, que já tinha arriscado tanto, estava a ser completamente entalado e nem o empregado foi capaz de fingir que tinha a máquina estragada para me salvar a pele. Onde é que anda a solidariedade masculina quando precisamos dela?
Já tinha decidido que não iria fazer uma cópia (pelo menos não à frente da Maria) porque sabia que eram chaves caras mas deixei-me levar e perguntei o preço.
- Quanto é que fica fazer uma cópia para a chave do carro? Não é que eu queira. É só mesmo curiosidade, mais nada.
O empregado folheou o preçário vezes sem conta, e eu só pensava no crédito de 60,05€ que tinha (entre os 71,80€ dela e os meus 11,75€), com suores frios a percorrerem-me o corpo. Ao fim de muito folhear, olhou para mim, e disse-me:
- 56€.
Primeiro pensamento - Estou safo!
Segundo pensamento (depois de verificar o sorriso de vitória na cara da Maria) - Estou lixado... esqueci-me de somar a gaita do porta-minas...
É incrível como uma pessoa que não percebe nada de matemática, quando a coisa lhe interessa, percebe logo que 4,15€ + 1,75€ + 10€ + 56€ = 71,90€. Tinha sido tramado por 10 cêntimos. De nada me valeu o argumento de que os 56€ não podiam entrar na conta porque não tinha mandado fazer a chave do carro e na prática não tinha gasto tanto como ela. E pronto, a razão voltou a estar do lado a que já está habituada e tudo voltou ao normal.
Karma is a bitch. Oh yes it is...

7 comentários:

  1. LOL!!
    Aqui em casa sou eu quem perde tudo também. Habitualmente tenho a sorte de voltar a encontrar tudo mas há vezes que não. Mas não me irrito muito, não serve de nada.

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  2. ahah, vê-lá se não foi a Maria que te escondeu alguma dessas coisas só para te ganhar as discussões :P

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  3. Simplesmente fabuloso, como todos os seus textos Tiago !!!!

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  4. Fabuloso, como todos os seus textos, Tiago !! Isto é a vida real, contada com boa disposição e clareza !!! Um beijinho grande ... e não perca mais nada !!!! Nós somos assim...cobramos tudo !!!! eh eh eh eh

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  5. cá para mim a maria tem mas é um esconderijo secreto...

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  6. Juanna, já não me sinto tão sozinho! ;)

    faa, não me admiraria nada!

    Teresa, obrigado!

    Conde, auqele abraço! ;)

    Pedro, também acho. O problema é que é secreto... :)

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