terça-feira, 12 de março de 2013

Onde está a malta da "Grândola" quando precisamos deles?


A convite da minha irmã e de uma amiga, fui a uma conferência sobre "NetWork Marketing". A conferência era num dos mais badalados hotéis de Lisboa e o orador era um tipo conhecido. Já o tema sugeria qualquer coisa como negócios em trabalho de rede e isso interessava-me.
Dez minutos antes da hora lá estava eu à porta do hotel. Perguntei à recepcionista onde ia ser a conferência e, qual não é o meu espanto quando, à porta da sala que me tinha sido indicada, estavam umas 10 pessoas, se tanto, e já todas se conheciam. Achei esquisito mas não liguei. Talvez ainda fosse cedo.
Encostei-me a um canto à espera mas, ao fim de 15 minutos, ouvi as pessoas que estavam ao meu lado a comentarem que a conferência só iria começar meia hora depois do que estava marcado porque havia um problema qualquer com o data show. "Num hotel 4 estrelas?" pensei eu. Estranho. Mas acontece a todos, certo?
Escolhi um dos sofás da sala de espera e pus-me a ler o livro que, em boa hora, decidi levar. Ainda estava a habituar-me à suavidade do sofazinho de pele quando me liga a minha irmã a dizer que estava meia hora atrasada. Com todo o atraso da conferência, quem me dera a mim também estar.
Entretanto, as pessoas começaram a entrar na sala. Deixei que toda a gente entrasse e, por fim, sem sinal da minha irmã à vista, entrei também. Do outro lado da porta, estava um tipo numa secretária a pedir os nomes aos participantes. Tinha um caderno pautado de capas pretas, daqueles da escola, todo amarrotado e escrevia o nome das pessoas à mão. Nem sequer tinha uma lista das pessoas que se tinham inscrito. Disse-lhe o meu nome, e o tipo pergunta-me:
"Já é distribuidor?"
Wow. Pára tudo. O data show, o atraso, o caderno amarrotado ainda aguento mas... se já sou distribuidor? Distribuidor de quê? Então eu venho a uma conferência num hotel 4 estrelas, com um tipo conhecido para o ouvir falar sobre negócios e perguntam-me se sou distribuidor? Aquilo começava a tresandar.
Respondi-lhe: "Desculpe, não é aqui a conferência sobre Marketing?"
O tipo faz um sorriso de parvo e responde-me "É é! Pode-se sentar!"
Olho para o palco e vejo um placard publicitário a uma empresa qualquer com umas garrafas que pareciam ser de vinho e tive a nítida sensação de alguém me ter enfiado alguma coisa pelo anûs acima, se é que me faço entender.
Sentei-me o mais atrás possível e como ainda andavam às voltas para instalar o data show (é preciso ligar dois cabos, não é assim tão fácil...), voltei a tirar o livro que levei. O problema é que, com a música de discoteca que puseram a passar aos berros, nem sequer me conseguia ouvir a pensar. Até que, ao fim de 15 minutos daquilo, com 20 pessoas na sala, no máximo, começa a conferência.
O tipo conhecido começa a explicar a forma como as pessoas evoluem na vida profissional e no conforto financeiro. Tinha o dom da palavra e estava a gostar de o ouvir. Até me passou pela cabeça que o homem fosse tão bom a falar que aquele placard publicitário que estava atrás dele fosse de uma empresa que lhe patrocinava as conferências e que os "distribuidores" fossem funcionários dessa empresa, cujo chefe os tinha mandado assistir aquela palestra. Sim, sou um ingénuo do caraças.
Mas não levei mais de 5 minutos a perceber. O homem estava num raciocínio bem definido quando, sem que nada o fizesse prever, atira para o ar que "O melhor investimento possível é nesta empresa (e aponta para o placard) onde cada um de vocês só tem que arranjar 2 nabos distribuidores e irão ganhar dinheiro, muito dinheiro com o trabalho deles. Nem é com o vosso! É com o deles!"
A vontade que tive foi levantar-me e sair. Aquilo não era uma conferência, era um engodo. Ao fim ao cabo, aquele paleio todo era para o tipo arranjar mais uns palermas para pagarem um balúrdio para serem revendedores de umas bebidas que ninguém conhece, mas que supostamente são muito boas e, se depois nós também conseguíssemos enganar uns quantos nabos, também iríamos ter montes de dinheiro. "E é mesmo fácil!"
Há uns anos já tinha ido, por curiosidade, a uma palestra daqueles de uma empresa que vende batidos. Pelo menos dessa vez eu sabia ao que ia. Desta vez, só o nome da empresa era diferente, porque o resto era todo igual. A facilidade em ganhar rios de dinheiro, o baixíssimo investimento, a felicidade estampada na cara de todas as pessoas (eu imagino as dores nos maxilares que aquelas pessoas devem ter por serem tão felizes...), altos carros à porta do hotel todos estampados com os logótipos  viagens à volta do mundo e um nível de argumentação tão baixo que nem dava para acreditar. Parecia que o homem nem era o mesmo quando começou a falar daquele esquema. "Se o Bill Gates acha que isto é um grande negócio, eu, pelo menos, vou investigar. Vocês, não sei. Ninguém é obrigado a ganhar montes de dinheiro!" Hã? O Bill Gates também vende bebidas energéticas? Ah, tá bem. Então também quero entrar. É que nem preciso de saber mais nada.
Foi nesta altura que a minha irmã e a colega entraram na sala e eu tive a secreta esperança que elas ficassem no fundo da sala a cantar a "Grândola" para o tipo se calar e irmos todos embora. Em vez disso, elas sentaram-se e, talvez entusiasmado com o aumento da audiência, o tipo resolve chamar um colaborador ao palco para contar a sua experiência. Parecia a Igreja do Reino de Deus. "Estava desempregado e a minha mulher também, tinha perdido a minha casa e tinham-me cortado a água e a luz, e tinha um filho para alimentar. Um amigo perguntou-me como é que eu estava, 2 semanas antes de eu emigrar para Angola, já desesperado, e a acabar de ter sido diagnosticado com diabetes. Disse-me que tinha um projecto que me iria mudar a vida, se eu estivesse interessado. E mudou! E eu só tenho a 4a classe e nem sequer percebo nada disto! Ah, e com este produto nem preciso de medicamentos." Tive vontade de lhe dar os meus parabéns e ir  embora, mas foi aí que o tipo se esticou um bocadito nos comentários: "Aqui o mais importante é o produto e não há nenhum melhor do que este. Sem o produto, isto seria só um esquema financeiro!" Ups... No fim da conferência o tipo saiu logo a correr, mas eu acho que alguém vai levar um tau tau, aí vai, vai.
É que a questão é mesmo essa - o "produto" não é preciso para nada. É só uma desculpa para as pessoas entrarem. Porque estes esquemas (que é o que são) funcionam perfeitamente sem produtos. Se os "distribuidores" pagarem uma determinada quantia para entrar na pirâmide e arranjarem outros para ficarem abaixo deles, aquilo funciona à mesma. Existem pirâmides clandestinas destas, sem produtos nenhuns e com rentabilidades parecidas. E todas se alimentam da mesma coisa: dos palermas do fundo da cadeia.
Aquilo até pode ser tudo perfeitamente legal, dar rios de dinheiro e o produto ser a última maravilha, mas quando olham para mim como se tivesse um € estampado na cara, não sei porquê, não aprecio muito.
Mas isso sou eu, que tenho gosto em ser pobretana. Por isso e porque ando chateado com o Bill Gates. O meu Windows diz-me "Foi encontrado um problema no Windows. O Explorer vai reiniciar." de 15 em 15 minutos e se não tiver o trabalho guardado, perco tudo o que tiver feito.
É o que dá as pessoas andarem a vender bebidas energéticas - ganham balúrdios e depois desleixam-se nas suas empresas. Eu bem sabia que isto não era grande negócio.

4 comentários:

  1. até parece aqueles telefonemas que se recebiam antes para ganhar telefones e máquinas fotográficas, em que só tinhas que os ir visitar e depois enfiavam com a venda de um colchão mais caro do que a minha casa, é certo ninguém era obrigado a comprar, nunca comprei nada, mas muito gente achou que aquele colchão era a salvação da sua vida e a concretização de um sonho (mais o telefone ou a máquina fotográfica)

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  2. A ilusão e o deslumbre faz com que se perca muita coisa pelo caminho... Fujo dessas conferências como o diabo foge da cruz!!

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  3. Filha, se há coisa que me cheira logo mal é dizerem-me que posso ficar rico de um dia para o outro, bastando para isso começar a concordar com tudo o que me dizem sem explicarem o porquê.

    Peppy, desta vez enganaram-me bem. Mas não volto a cair.

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  4. Adoro ver pessoas, supostamente inteligentes e bem formadas, a caírem nestes esquemas, achando que o dinheiro cai do céu sem trabalho.
    A menos que tenhas uma tia rica prestes a quinar e deixar-te tudo, desconfia e bate três vezes no caixão, não fosse estar só a dormir.

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