terça-feira, 20 de novembro de 2012
O Phelps dos comboios
Recordo-me, muitas vezes, de um colega meu me dizer que tirou muitos cursos durante o tempo de estudante em Coimbra mas que, aquele em que tínhamos que ir às aulas e fazer exames não tinha sido, de longe, o mais importante.
E eu não podia estar mais de acordo. Tirei lá 3 ou 4 cursos de uma extrema importância para a minha vida, para além daquele em que tinha que jogar às cartas todos os dias no bar da Faculd..., quer dizer, para além daquele em que tinha que ir às aulas todos os dias.
Por exemplo, um dos cursos que tirei paralelamente chamava-se "1001 Desculpas para chegar tarde a Casa dos Pais". Nesse, devo dizer, não tive grandes notas. O problema é que esse curso está bastante desactualizado porque, ao que parece, os pais das pessoas em geral também o frequentaram, e já com, exactamente, as mesmas cadeiras. É o mal dos programas das cadeiras não serem revistos...
Mas, para além desse, tirei outros onde me safei melhor. Por exemplo, no "Curso Avançado da Prática do Sono dentro de um Transporte Público que Circule sobre Carris" fui um dos melhores. Aliás, passei com distinção nas cadeiras "Sono em pé", "Sono com alguém insistentemente a falar connosco" e "Despertar e sair do transporte quando este já está a arrancar II - nível avançado". Ok, nesta tive boa nota só no recurso, porque na primeira tentativa fui parar à última estação no último horário do comboio. Foi o que deu a confiança que ganhei depois de tirar 19 valores a "Sono com uma velhota de cada lado no banco, a conversarem uma com a outra sobre as galinhas que tinham acabado de comprar na feira e que seguravam alegremente pelas asas."
Ora, actualmente, anos após ter tirado este curso, tive que voltar a utilizar o Metro à noite. Isto dos cursos é mesmo assim. Na altura em que os tiramos ficamos a pensar o que raio vamos fazer com eles, mas, anos mais tarde, o destino trata disso.
E, já se sabe, por muitos anos que passem, o corpo tem "memória muscular". (foi o Michael Phelps que o disse, ao ganhar tudo nos Jogos Olímpicos, mesmo depois de um ano inteiro a fumar ganzas, e se ele o diz é porque é verdade) Sim, aquilo que eu quero dizer, basicamente, é que sou o Phelps do Sono em comboios.
Numa das primeiras vezes, bastou-me entrar numa carruagem 5 minutos depois das 22h00 para a magia acontecer. Demorei um pouco mais que 1 minuto e 23 segundos e acordei 2 estações antes da minha mas, a capacidade de adormecer mantinha-se intacta. Com mais uns treinos e a coisa ficava no ponto.
Dias mais tarde, Metro às 23h20. O que mais pode uma pessoa querer? 48 segundos entre a entrada, o sentar e o adormecimento e... o excesso de confiança novamente a acontecer. Mais uma vez, a confiança daquele histórico dia em que, pela manhã, desafiado por duas velhotas com apenas dois dentes cada e galinhas a soltar penas pelo ar nas mãos, me tinha afirmado ao mundo como um dos melhores na arte de adormecer nas situações mais difíceis e a acordar delas com toda a leveza. Perturbado por essa sensação, acordei quando senti que o meu rabo tinha parado de me embalar (uma das técnicas que se aprende no curso), levantei-me na carruagem, saltei no meio das portas com elas já a apitar, olhei em volta para procurar a saída quando vi que... estava 5 estações antes da minha com 2 empregados de limpeza da estação à minha frente aparvalhados a olhar para mim. Sem perder tempo, virei costas para tentar voltar a entrar mas a carruagem, sem piedade, arrancou a toda a velocidade.
Voltei a virar-me e lá continuavam os dois empregados especados. Estive quase quase para lhes perguntar:
"Sabem se ainda vem mais algum Metro? É que a esta hora está a dar o "The Voice" na tv por isso não devo conseguir convencer a Maria a vir buscar-me..."
Mas eles estavam com aquele olhar que dizia "Este deve achar que é o Phelps do Sono em comboios..." e eu não quis dar parte de fraco.
Porque eu sou o Phelps dos comboios. Só preciso é de mais um bocadinho de treino. É só isso.
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Nunca consigo adormecer em transportes públicos... E às vezes bem que me apetecia (ou bem que precisava) porque ando cheia de sono!
ResponderEliminareu eu em tempos idos também adormecia assim! E houve um dia que tive que ligar ao meu pai para me ir buscar à guarda... adormeci no comboio e só acordei na ultima estação!!!
ResponderEliminarTiago, o teu trabalho é lindo! Mas isto não é de sketcher, é de ilustrador, mesmo... estão muito bons! Devias tentar uma pequena história, nem que fossem 2 pg. 1 pg. Só meia dúzia de quadros...
ResponderEliminarParabéns! :)
Lia, eu precisa de conseguir adormecer um bocadito menos... :)
ResponderEliminarMaria, adormecer no Intercidades não é para todos! ;)
Rui, obrigado!
Tiago adoro estas crónicas !!
ResponderEliminarTiago, adoro estas crónicas !!!!
ResponderEliminarAh, eu conseguia a proeza de adormecer entre cada estação (de 5 em 5m... mas chegava a dormir profundamente até bater com a cabeça no vidro lol
ResponderEliminar:)) Também tirei esse curso (e consegui ainda o mais avançado, sono por segundos a conduzir carro num engarrafamento, conseguindo acordar sempre que era preciso avançar mais meio metro para não ser buzinada pelo que vinha atrás), mas há já algum tempo que não pratico :)
ResponderEliminarInsolente, cheguei a ter um galo na testa por causa dessas brincadeiras... :)
ResponderEliminarRedonda, nessa é que chumbei mesmo. Parece que ir contra rails de protecção não era admitido para passar nessa cadeira!
É delicioso ler-te.
ResponderEliminarNunca adormeci em transportes publicos. Quando vivia em Lisboa utilizava o metro nas horas de ponta, a minha preocupação era outra...