sábado, 16 de agosto de 2014

O curry de lentilhas do Chef Quico é o melhor que já comi

Uma das coisas boas de passar montes de algum tempo no facebook é que, de vez em quando, aparece um passatempo de uma página qualquer onde a única coisa que é preciso fazer para ganhar um prémio (quase sempre da treta) é fazer um comentário num post dessa mesma página.
Num destes dias, no imenso pouquíssimo tempo que estive ligado tive a sorte de ver um desses passatempos, que não podia ser mais simples: os primeiros 5 a copiar uma frase do post da página e a colá-la em comentário ganhavam um convite duplo para a ante-estreia do filme "A viagem dos cem passos".
O filme tinha aspecto de ser fraquinho. Ainda por cima, porque carga de água haveria eu de querer ver um filme sobre culinária quando, diariamente, para ganhar o direito a poder ver futebol a vontade ver a Maria feliz me fazia sujeitar a 2 horas de MasterChef, Chef's Academy, The Taste, Hell's Kitchen e Pesadelos de Ramsey? A resposta era simples: porque era à borla. Aliás, por este preço, nem que o filme fosse sobre a depressão pós-parto de uma mosca da fruta eu deixaria de concorrer.
Fiz o comentário no post (fui logo o primeiro) e esperei dois segundos. Por estranho que parecesse, não estava a haver uma inundação de comentários. Estranhei mas mandei uma mensagem à minha irmã, que também passa lá montes de tempo estava ligada por coincidência, para lá por o comentário e ela também ganhou o bilhete duplo. Horas mais tarde, só 6 pessoas tinham comentado, e todas tinham ganho - até se davam ao luxo de oferecer mais prémios do que o que tinham anunciado... Das duas uma: ou as pessoas tinham ido todas para a praia ou... ou tiveram milhares de imprevistos de última hora que as impossibilitaram de concorrer. Ninguém no seu juízo desperdiça um prémio à borla.
Assim, com as expectativas nos píncaros, lá fomos ver o filme: eu, a Maria e a minha irmã.
À chegada, perguntei onde deveríamos levantar os bilhetes e informaram-me que... nem bilhetes havia. "É só ir para fila e dizer o nome." Bonito. Olhamos para a fila e vemos... 6 pessoas a olhar para o tecto. Espectacular. Nessa altura, o que me consolava é que havia milhares de pessoas a regressar a casa depois de um dia de praia a chorar baba e ranho por não terem visto esta oportunidade única por estarem numa qualquer praia a divertirem-se apanharem um escaldão. Bebemos um cafezito para ganhar coragem (e dar tempo à fila de entrar na sala, claro) e lá fomos nós, uns minutos já depois da hora marcada - sim senhor que só concorremos porque foi à borla mas não convém dar um ar de desesperado.
A sala do fime era daquelas em que se entra de costas para a plateia e se tem que percorrer um corredor até ao pé da tela para depois dar meia volta e subir umas escadas até ao lugar. Ao entrarmos, quando já me preparava mentalmente para dormir uma boa soneca, aparece-nos ao fundo do corredor o Chef Quico (o tipo do Chef's Academy e dono do restaurante O Talho) vestido com a sua jaleca, que, ao ver-nos, se dirige a um funcionário da sala e diz:
- É melhor mais uns minutinhos que ainda há gente a chegar. Já se sabe como os portugueses são...
Passamos pelo homem (eu agradeço-lhe a amabilidade sem saber bem porquê - mas se é famoso agradece-se) e viramo-nos para a plateia para nos sentarmos e é aí que a realidade nos atinge: o raça da sala estava à pinha e o homem estava ali com o seu ajudante sous chef para dar uma aula de cozinha masterclass antes do filme.
Sentamo-nos na única fila onde ainda cabiam 3 pessoas juntas e, 5 minutos depois, o homem começa a cozinhar lentilhas picantes com frango curry de lentilhas com peito de frango e chutney de masala de especiarias, frutos secos e sultanas picadas com pele de frango estaladiça frita numa cozinha improvisada junto à tela. Caramba, uma pessoa esforça-se por ganhar um bilhete de cinema para ter uma noite diferente do normal (sou bombardeado todos os dias com o "nunca fazemos nada diferente...") e, no fim, é tudo igual: o mesmo programa, o mesmo apresentador, as mesmas roupas, as mesmas piadinhas e até os mesmos comentários da plateia ("Ah, viste como ele preparou o chutney? E a masala de especiarias? Que coisa espectacular!"). Ok, talvez não tenha sido bem igual: em casa a única coisa que se engole a ver os programas de cozinha é a própria saliva, aos litros. Ali toda a gente teve direito a um copinho com uma amostra daquilo que o homem estava a cozinhar.
Depois da aula veio o filme. Com a produção da Oprah Winfrey acho que tinha obrigação de ser mais do que uma história em que um pobretana tem um dom para a cozinha e chega ao topo a cozinhar comida que parece que dá um orgasmo a quem a come, mas pronto, o copinho de lentilhas deu para aguentar o filme. Quer dizer, deu para aguentar os primeiros 5 minutos. E passar o resto a perguntar à Maria: "Vais comer o teu? Vais comer o teu? Vais comer o teu? Vais comer o teu?"
Não sei como é que ela fez, mas o copinho dela durou 3 dias cá em casa e devia ter sensores de alarme altamente disfarçados porque sempre que me aproximava a menos de 10cm, ela descobria.

De tudo isto, o mais importante é que, da próxima vez que alguém me pedir uma sugestão para um restaurante, eu vou dizer do alto da minha arrogância (e com um tom de indiferença na voz):
"Já foste ao do Chef Quico? Comi há dias um curry especialmente preparado por ele que estava uma delícia."
(Tenho é que ficar a torcer para que seja alguém que ainda não tenha ido ao restaurante do homem. Porque se me responderem que esse já conhecem, não me parece que sugerir o Mac os impressione, se bem que o novo hambúrguer é bem bom...)

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Desconfiem sempre dos furúnculos que se mexem


Eram três da manhã e as dores eram tão insuportáveis que me já impediam de dormir. Ao longo daquela semana, o que começara como uma leve impressão na nádega direita, tinha-se tornado numa dor avassaladora. Aos poucos, tinha deixado de me conseguir sentar direito, deitar-me de lado era impossível e andar já me começava a custar. Até as calças já me doíam só de as vestir.
Eu conhecia bem aquela sensação: furúnculos no rabo foi um petisco que a minha adolescência me reservou durante uns anitos, dia sim, dia sim. Se nos primeiros me tinha apressado a espremê-los, sofrendo ainda mais com isso, não tardou que me habituasse a nem sequer lhes tocar, para não infectarem e passarem mais depressa. Na adolescência eu até entendi a coisa - foi o preço a pagar para me tornar num belo e possante macho latino, capaz de deixar qualquer miúda doida com o seu rabo peludo. Mas aos 32 anos? Aquilo era estranho mas o que é certo é que o hábito de não lhes mexer ficou e, por mais que a dor fosse aumentando, durante uma semana nem lhe toquei.
Mas naquela noite estava a ser demais. Já ia sendo tempo daquela coisa secar e desaparecer. Já em desespero, passo lá a mão para ter noção do vulcão que se estaria ali a preparar. Ao sentir aquele Evereste nos dedos, o primeiro pensamento que me ocorreu foi:
"Que engraçado. Já não tinha borbulhas no rabo há tanto tempo que até já me tinha esquecido que elas se mexem..."
Meio segundo depois, o horror, o desespero, a maturidade de um puto de 10 anos apoderam-se de mim. Eu não conseguia ver mas tinha a certeza do que ia gritar aos ouvidos da Maria, que dormia indiferente à tragédia que se estava ali a preparar:
"Tenho uma carraça no rabo! Acorda! ´Tás a ouvir? Teno uma carraça no raabooooo..."
Baixo os boxers e a Maria, meio ensonada, exclama:
- Ahhhhh, tão grande!
- Eu sei mas preocupa-te agora com a carraça, caneco. É mesmo uma carraça?
- É e está a entrar para dentro do teu rabo. É como aquelas que se vêem nos cães vadios...
- Não pode ser assim tão grande...
- É é. É enorme!
Se precisarem de alguém que diga umas mentiritas para se sentirem melhor, não chamem a Maria. A sério. À minha cabeça começavam a chegar imagens de um acampamento onde eu tinha estado na semana anterior e onde um miúdo de uns 12 anos tinha apanhado uma nas costas e, após muito escarafunchar com uma pinça, teve que ser levado para o Centro de Saúde onde lhe fizeram um corte a sangue frio para a tirar (que lhe coseram novamente a sangue frio). Se um miúdo com 12 se tinha fartado de chorar, era certinho que eu també...
- Não não, não a tentes tirar directamente com as mãos! Vai buscar uma pinça! Ai meu Deus... estou perdido...
Vinte segundos depois, que pareceram uma eternidade, a Maria voltava com a pinça das sobrancelhas.
- É melhor desinfectar isto. Sabes onde está o álcool?
- Eu não, não faço ideia, procura. Mas despacha-te!
- Já procurei e acho que não temos. Se tivéssemos vodka como nos filmes... Achas que se passar a pinça por Licor Beirão faz o mesmo efeito?
- Ao preço que ele está? Esquece isso. Usa água oxigenada.
De regresso ao quarto já toda equipada, a Maria despeja-me água oxigenada em cima da bicha. Estava a cerrar os dentes a preparar-me para um ardor lancinante quando... nada. Não senti nada. A água oxigenada já estava mais que morta...
- Bem, vou começar a tirá-la.
Depois da Maria ter dito aquilo, tive a sensação do tempo ter parado. Não que eu tivesse deixado de falar aos berros, para a ajudar a concentrar-se para tirar melhor a carraça, claro. Mas a possibilidade de lá ficar a cabeça enfiada, ou uma pata que fosse, e ter que ir ao hospital abrir um buraco (num sítio onde já tinha um que chegava perfeitamente) era assustadora.
Ao fim de dois minutos, o prognóstico:
- Pronto, tirei tudo. Consegui que ela saísse inteira.
- A sério, não ficou lá nada? Olha que se ficar uma pata, infecta. Tiraste mesmo tudo? Tiraste? Tens a certeza? Nem uma orelhita lá ficou? Nada? Contaste as patas? Não contaste as patas! Pode lá ter ficado alguma! Tens a certeza? Não estás muito convincente... Mostra lá o que saiu.
- Dorme! Saiu tudo e não ta vou mostrar. Era enorme.
- Enorme? Enorme mesmo? Enorme como? Ai que caneco. Se calhar tinha mais patas que as outras... Pronto, já estou tramado... Saiu mesmo tudo? Ainda sinto aqui um alto!... Ficou cá alguma coisa. Eu estou a sentir... Devíamos ter usado o Licor Beirão... Pronto, eu sabia.
- Tá inchado. Dorme. Até amanhã.

Agora a sério, eu não sou assim tão lingrinhas. Só precisei de um mês para deixar de achar que cada comichãozita que sentia era uma carraça. E, depois disto, também só tentei arrancar dois sinais das costas, em duas ocasiões em que estava sozinho em casa, por achar que os sacanas se tinham mexido. Ah, e arranquei também uma crosta de uma ferida que tinha ao pé do rabo, que até me arregalei de dor. Mas essa eu tenho a certeza que se mexeu. De certezinha. Mesmo a gozar comigo. Era uma crosta de uma mordidela do gato, mas mexeu-se.
Ou não fosse eu um macho latino com o rabo cheio de pêlo.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Não consigo viver a vida ao máximo...


Há dias, estava eu a entrar no meu prédio, carregado com uma botija nova de gás, e o meu vizinho (que em segredo apelido de BetterMan porque está seeeeeempre a cantar essa música dos Pearl Jam no apartamento ao lado do meu), que vinha com o filho de 4 ou 5 anos à minha frente, resolveu esperar por mim dentro do elevador, segurando-me a porta aberta e tudo.
Olhei para a cara dele, olhei para a do puto, ambos dentro do elevador, e a coisa não me cheirou bem. Insisti que subissem que eu iria no próximo, mas como já me estavam a fazer má cara, acabei por entrar.
E não tardou muito para ter a confirmação de que tinha sido má ideia. O BetterMan carrega no botão do 3º piso (onde ambos vivemos) e o elevador não reage. Ficamos ali uns segundos a olhar uns para os outros e, sem que nada o fizesse crer, o homem manda um murro na parede do elevador. "Às vezes é preciso."
Oi? É preciso? Claramente que o elevador não concordava com a ideia, porque nem se mexeu. Quer dizer, não se mexeu logo, porque ao fim do 3º murro lá se decidiu a subir. Também, era isso ou ficava todo amassado.
Depois daquele arranque atribulado, começa-me o puto aos saltos dentro do galinheiro. Aquilo já abanava por todo o lado e o paizinho nada. Até que, com ar de frete, o homem lá diz ao BetterSon: "Pára lá com isso." mas o puto nada. Continua naquele saltitanço constante e eu não me contenho e digo ao homem, disfarçando o pânico que me começava a correr pelas veias: "Pois, sabe, nunca fiando... Era melhor parar..."
O homem vira-se para mim e diz: "O elevador não cai, fique descansado. Eu só me chateia ele estar a saltar porque quando começa já não pára."
Chegamos ao 3º piso. O BetterMan e a papoila saltitante (aos saltos desde o rés do chão e a continuar mesmo depois de sair do elevador) saem para o apartamento ao lado do meu e eu fico uns segundos para trás a sentir-me miseravelmente. Ali estava um homem (com uma péssima voz, é certo) com um filho sem receio de viver a vida ao máximo. Eram aventureiros, conquistadores. Faziam o que lhes dava na real gana sem pensar no perigo que poderiam correr. E eu ali, a um canto, cheio de suores frios. Sempre agarrado a pequenos pormenores que não me deixavam viver a vida na sua plenitude.
Como o pormenor daquela vez em que, dentro daquele mesmo elevador, tive uma viagem que parou a meio do 2º piso porque o elevador não quis subir mais. Ou daquela, em que o elevador me deixou no 8º piso, mesmo tendo carregado no 3º. E, depois de voltar a carregar no 3º me deixou no 5º. E depois no 7º. E depois no 2º. Ou naquela em que, durante uns 10 minutos, o elevador andou entre os 2º e o 4º piso (tipo ping-pong) sem ninguém lhe ter dado ordens para isso e sem nunca parar, com a Maria a gritar do lado de fora "O que é que eu faaaaaçoooooo?"

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Regresso em grande (mesmo grande)

Depois de um período em que tive muito trabalho (que me impediu de ter a paz necessária para escrever aqui), e depois de outro período de algum desânimo em relação ao blogue (por ter um trabalho desgraçado com isto e não ganhar nada ao fim do mês com esta gaita acho que muita gente que escreve em blogues passa por isso), decidi que só recomeçaria a escrever aqui quando acontecesse alguma coisa grandiosa na minha vida que merecesse ser contada.
Nestes quase 3 meses que pouco escrevi, várias foram as situações em dei comigo a pensar: será que isto que acabou de acontecer é grandioso o suficiente para escrever no blogue? E, a resposta, era sempre "humm... não...".  Ainda fiquei na dúvida se haveria de escrever sobre a vez em que a minha irmã mais nova foi ao "Quem quer ser milionário" e, numa das perguntas, usou a ajuda do telefone para me ligar. Eu, que estava de sobreaviso e tinha todos os sites de cultura geral possíveis e imaginários abertos no pc, não cheguei a conseguir falar com ela porque a chamada do programa me foi posta em espera, enquanto a Manuela Moura Guedes dizia à minha irmã que eu não atendia. Estive quase para escrever sobre isso, mas como, depois de eu ter berrado ao telefone com a telefonista a perguntar como era possível aquilo ter acontecido e ela me ter garantido que era impossível - e eu é que tinha tido algum problema no telefone, fiquei mais descansado.
Até que, na semana passada, me aconteceu uma daquelas coisas em que o meu primeiro pensamento foi: tenho que falar disto no blogue. E costuma ser bom quando isso acontece - ou é uma coisa muito boa ou é uma cromice do catano. E não, o que aí vem não foi uma coisa muito boa...
Então, ora cá vai. Vinha eu de regresso a casa, de carro no meu formidável Peugeot 206, e estacionei no parque do prédio. Ao trancar o carro com a chave (quando comprámos o carro só trazia um comando e ficou, claro, para a senhora da casa), reparei que o fecho centralizado não tinha funcionado. Experimentei outra vez e nada. Tentei na porta do pendura e... nada. Entrei novamente no carro, meti a chave na ignição e nem uma luz se acendeu no painel. Aquilo eram problemas na bateria, certamente. O que vale, é que desde os tempos do velhinho AX que eu e a Maria andamos sempre com cabos de ligação da bateria na mala. Tirei-os e chamei-a para ressuscitarmos o bolinhas extraordinário veículo automóvel.
Fizemos a ligação a outro carro a trabalhar (já somos pro nessas cenas) e... nada. Nem sequer uma luzinha - nada. Ainda tentei desligar a chave e voltar a ligar o carro (no computador funciona sempre) e nada. Mesmo com os cabos ligados a outro carro a trabalhar em ponto morto, a carripana o bólide ficou em completa escuridão e silêncio.
Lembrei-me, então, de ver se os cabos entre os carros estavam bem ligados ao outro carro (a Maria é que estava a olhar para os cabos como uma... burrinha (das fofinhas, vá), a olhar para um palácio) e, ao sair do formidável... veículo, "trák"! A bateria tinha voltado e o fecho centralizado tinha actuado, fechando as portas do carro, com a minha chave na ignição. Olho para a Maria para lhe pedir a chave dela, com um sorriso de vitória na cara, quando a vejo, em desespero a olhar para a mala dela, em cima da porra do banco do pendura da chocolateira viatura. Ao que parece, aquilo é uma espécie de dispositivo de segurança. O carro tranca-se se alguém lhe desligar a bateria e voltar a ligar, porque é provável que sejam ladrões. Ali, tinha sido o próprio ferro-velho carro a desligar a bateria e a ligá-la novamente, o que só comprova que ele tem vontade própria. Vontade própria e um ego do caraças. Gostava de saber onde é que ele foi desencantar a ideia de que alguém o gostaria de assaltar...
Depois de passar o pânico inicial, a Maria lembrou-se de pedir uma chave do carro de outra pessoa que fosse a passar para abrir o nosso. Aquilo foi claramente uma ideia parva. Se eu me desse ao trabalho de pedir uma outra chave mágica a alguém, o último carro que iria querer abrir era aquele...
A única solução (credível) que nos ocorreu foi, então, ligar à oficina onde costumamos ir. A resposta do mecânico acalmou-me logo. É engraçado como falar com especialistas faz sempre bem:
- Amigo, pode tentar cortar a borracha de uma janela, enfiar um alicate e puxar o coiso para cima para destrancar o carro mas o mais fácil é partir uma janela.
- A sério, é o único conselho que tem para me dar? - teimei.
Depois de uns instantes, o homem, que era um especialista, disse-me:
- Escolha a mais pequena.
Já a desesperar, fui a casa buscar as ferramentas que me pareceram mais adequadas à ocasião - facas e chaves de fendas. Nada de martelos. Queria experimentar primeiro tirar a borracha que fica entre a porta e a carroçaria, seguindo o exemplo do especialista.
Como a lata com rodas o automóvel é de 3 portas, as janelas de trás são pequenas e abrem só um bocadinho, com um fecho de compasso. Por isso, lembrei-me de enfiar a chave de fendas entre o vidro de uma dessas janelas e a borracha e fazer pressão para a janela abrir. Enquanto me esforçava, foi tranquilizador ver pessoas a passar ao lado e nenhuma estranhar o que quer que fosse. Às tantas, aquele carro (e seus donos) já são mais conhecidos nas redondezas do que eu pensava...
A janela estava a querer abrir mas faltava uma faca, para conseguir abrir o fecho do compasso da janela através do espaço que a chave de fendas abria. Pedia à Maria que fosse a casa buscar e, quando conseguimos libertar o fecho com a faca da manteiga, pedi-lhe novamente que fosse a casa buscar o alicate para poder enfiar o braço pela janela até ao lugar da frente e puxar o... coiso para cima. Aquilo às tantas já parecia uma cena da Anatomia de Grey, onde eu era o McDreamy (claro) e a Maria era a enfermeira instrumentista. A única diferença é que na Anatomia de Grey, a instrumentista é mais rápida a dar as ferramentas ao McDreamy. Tirando isso, era tal e qual.
Quando, finalmente, a Maria trouxe o alicate, arregacei a manga e enfiei o braço pela janela de trás até ao coiso da porta da frente. Tentei, tentei, tentei mas... não consegui lá chegar. Tanto esforço parecia começar a não compensar. Até que, num rasgo de intelectualidade sem precedentes, a enfermeira instrumentista Maria desata a correr até casa e regressa, munida com a solução para o nosso problema - um boião XXL de creme hidratante. Esfregou-me o braço todo com aquela mistelanga e foi ver o braço deslizar pelo carro a dentro até ao coiso, entalado entre a janela mal aberta e a borracha. Destranquei o... num instante.
Com o carro, por fim, aberto, fizemos o que se impunha - chamámos o reboque para irmos à oficina, a mesma onde nos mandaram partir a janela. (as outras são muito longe...) O tipo do reboque, que tinha um ar de... tipo dos reboques, sacou do seu "Super Booster" e, entre mastigadelas da sua pastilha elástica, disse-me que aquilo era canja. E, de facto, lá nos pôs o carro a trabalhar. Garantiu-me que ele não iria abaixo e que podia ir à vontade no carro até à oficina e pôs-se ao fresco, que as cervejolas não se bebem sozinhas e o patrão só devia estar a contar com ele uma hora mais tarde.
Já na oficina, pude comprovar que quando se trabalha com técnicos especializados, tudo é mais simples. Só demoraram uma hora a descobrir que um dos cabos que ligava à bateria estava partido. E descobriram só depois de me terem tentado impingir uma bateria nova e terem percebido que ela ainda estava na garantia... deles.
Depois de tudo isto, fiquei a acreditar muito mais na bondade das pessoas. Ok, que são boas ou então que não têm creme hidratante em casa. É que passámos três dias com a janela de trás aberta e o fantástico veículo carroça não desapareceu.

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Que 2014 tenha o que realmente for importante!

Apesar de ser o último dia do ano, hoje coube-me levar a família do meu irmão (ele, a minha cunhada e os dois filhos - a princesa cor-de-rosa de 9 anos e o monstrinho ternuro-frenético de 6) à estação dos autocarros. No Natal a família junta-se sempre em casa dos avós (dos miúdos) mas, à alegria dos reencontros contrapõe-se sempre a tristeza dos regressos às casas de cada um. Depois do meu irmão e família saírem, também eu e a Maria sairemos, e, depois de nós, as minhas irmãs farão o mesmo, deixando a casa novamente livre para os meus pais fazerem as loucuras que quiserem e que nós não queremos nem imaginar.
Os miúdos, que por viverem a uns milhares de quilómetros de distância já vão estando habituados a estas circunstâncias da vida, são os que melhor sabem lidar com elas. A tristeza só tem permissão de se sentir mesmo na hora da despedida. Até lá, é aproveitar, que o tempo é curto e é preciso abusar da paciência: eles da dos tios e dos avós e os tios e os avós da deles, que o reencontro só é possível no Verão.
Na sala de espera da estação dos autocarros, ao ver passar um velhote de barbas brancas e compridas, o meu sobrinho ficou de queixo caído. Percebi logo que o miúdo tinha reconhecido o Pai Natal mas, o que faria ali o homem, ainda por cima de roupa normal e sem as renas?
Por isso, apressei-me a tirar-lhe as dúvidas: "É o Pai Natal, mas agora que acabou o trabalho vai passear, e deu férias aos empregados dele. Ah, e vem sem a roupa normal para ninguém o reconhecer!"
Meio aparvalhado, o miúdo olhou para o velhote e voltou a olhar para mim com ar de dúvida. Disse-lhe "É é!" e o miúdo, matutando naquele meu segundo argumento, voltou a olhar para o velhote. Demorou uns instantes e foi então que, de sorriso rasgado, se virou para mim e me disse: "Tio tio, tenho um segredo para ti! Olha que a mamã até tem o número de telefone dele!"
A princesa cor-de-rosa partiu-se a rir, pelo menos até ao pequeno monstrinho lhe roubar metade do croissant e todo a estação ficou a saber. E num instante, o maldito autocarro apareceu. Aí foi a altura de, por coincidência, lhes entrar "uma coisita" para os olhos, que se encheram instantaneamente.
"Tio, dizes-nos adeus do lado de fora do autocarro?"
Digo, pois. Digo adeus e até para o ano, que as saudades já começaram a apertar.

Um bom ano a todos, recheado daquilo que é mais importante!

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

30 dias de solidão

Este último mês que passou foi especialmente complicado para mim. Tive em mãos um trabalho gigantesco, que me obrigou a estar 55 minutos por hora, 14 horas por dia, 7 dias por semana, 4 semanas por mês em frente ao computador. A tal ponto que cheguei a ponderar ir à farmácia comprar fraldas para rentabilizar mais o tempo - parecendo que não, 6 idas por dia à casa de banho ainda roubam 28 minutos ao trabalho (demoro 7 minutos em assuntos demorados, 3 em assuntos rápidos). E até já tinha a estratégia preparada - só tinha que pedir fraldas à farmacêutica e dizer que eram para a minha avó. Mas depois de ponderar bem as coisas, acabei por não ir. O mais certo era a mulher perguntar-me o tamanho das fraldas e eu descair-me e olhar para a etiqueta das minhas calças antes de responder: "Das fraldas não sei, mas as calças são tamanho 40..."
O trabalho consistiu em ilustrar e paginar um livro de dicas e truques para o dia-a-dia em casa. Fiquei a saber coisas tão interessantes como o facto de que, acender um fósforo na casa de banho depois de uma evacuação radioactiva (if you know what I mean), faz o cheiro da descarga desaparecer por completo. Ou que segurar o prego junto à parede com uma mola da roupa antes de martelar diminui as probabilidades de dar uma martelada na mão.
Ainda assim, e tendo em conta a minha experiência de longos períodos em casa, acho que ficaram algumas dicas e truques essenciais fora do livro. Por exemplo, se fosse eu o escritor, começaria logo o livro com:
"Se estiver constipado e se assoar muitas vezes em casa, assoe-se e deixe o lenço ranhoso no sítio onde se assoou. No dia seguinte, ao passar novamente por esse sítio, vai ver que o lenço está seco e já o pode usar novamente. Vai deixar de ter que se preocupar em andar com lenços atrás."
Não não, já sei. Se fosse eu, começava era o livro com:
"Se for passar o fim de semana a casa de familiares, deixe a loiça toda lavada. A menos que esteja suja de queijo. Aí vai ser bom voltar a casa, com um queijinho gourmet cheio de bolor a perfumar a casa à sua espera."
Não, esta também não. Tinha que ser uma mesmo útil. Ah, já sei:
"Se estiver a ver aqueles programas de debates de futebol com gajos fanáticos e doentes, não ponha a televisão mais alto para perceber o que é que eles estão a dizer. Não vai perceber à mesma e a vizinha do lado vai começar a dar palmadas na parede por causa do barulho e, quando lhe for pedir desculpa, ela ainda lhe vai responder que aquela hora não é a mais indicada para fazer festas com os amigos em casa."
Caramba, mas porque é que ninguém me pede conselhos...

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Tenho um arbusto a nascer debaixo dos azulejos (ou então a casa está a ruir, prontos)


Ontem à noite, estava eu com a Maria a arrumar a loiça na cozinha depois de jantar, quando começamos a ouvir o chão a ranger. Primeiro devagarinho, depois mais alto e mais e mais.
Olhámos um para o outro aparvalhados. Aquilo não era normal. Se a laje fosse de madeira, seria normal que rangesse (ui, as vezes que me custou a adormecer em casa da minha avó porque o chão não se calava e não havia quem me tirasse da ideia que era o homem do saco que lá vinha - e não estou a falar do Pai Natal...), mas aqui não era (supostamente) esse o caso.
Procurámos com os olhos pelo sítio da laje de onde vinham os ruídos mas não precisámos de nos esforçar muito - os azulejos começavam a soltar-se do chão, formando um alto mesmo no meio da cozinha. Aquilo mais parecia que estava a crescer um arbusto mutante debaixo dos azulejos. Uma pessoa não limpa o chão como deve ser e depois é o que dá.
A Maria, consciente de que tinha chegado o dia do juízo final, saltou por cima dos azulejos saltitantes em direcção à porta da saída e gritou-me para fazer o mesmo. Parecia uma cena daqueles filmes em que uma das personagens salta por cima de um precipício e grita à outra para fazer o mesmo, só que a outra está tão aparvalhada que não tem reacção. Ok, talvez não tenha ajudado a acalmar os ânimos eu ter dito "Esta merda está toda a ruir!...". Agora que penso nisso, foram 30 segundos mesmo engraçados.
Quando os azulejos, finalmente, sossegaram, fui ao apartamento de baixo ver se do tecto dos meus vizinhos se teria soltado alguma pedra. Mal me abriram a porta, percebi logo que não - depois de ter deixado sair a fumaça toda, vi que que por lá havia muita pedra, mas nenhuma que tivesse caído do tecto.
"Estávamos a fumar, ouvimos uns barulhos vindos do tecto e pensámos - devem ter deixado cair algum electrodoméstico, ah ah ah!" disse-me a minha vizinha, abanando a mão à frente da cara para me conseguir ver através do nevoeiro e rindo à parva do assunto como se o facto de os azulejos da minha cozinha terem vida própria fosse engraçado.
Voltei para casa convencido que, fosse lá o que fosse, o apartamento não ia desabar e que, no dia seguinte, haveria tempo de chatear o senhorio. A Maria é que não se deu por convencida e passou a noite a perguntar-me se estaríamos seguros. Ao fim da 57ª vez que lhe respondi que sim, desistiu e foi para a net à procura de uma razão para os azulejos ganharem vida. Ao que parece, de acordo com a net, aquilo aconteceu por causa do calor intenso, da humidade e da casa não ter sido arejada há meses. Por acaso, ontem foi dos dias mais quentes que tenho memória... Ainda bem que temos sempre a net para nos ajudar.
Mesmo assim, continuo a achar que foi por ter nascido um arbusto mutante debaixo dos azulejos. A carne hoje em dia vem cheia de hormonas, não sei se as pessoas sabem disso. E quando se cozinha, as hormonas passam para o ar e acabam em cima dos azulejos. Depois juntam-se a pedaços de legumes e dá nisto. Parece-me mais credível. Foi isso, de certeza.

Ah, é verdade: o senhorio já cá veio. Fez aquele ar de frete que só os senhorios sabem fazer e disse-me: "Vou ver quando é que posso mandar aqui o homem para tratar disso." E nem tentou por-me as culpas daquilo em cima. Foi uma sorte não se ter lembrado dos arbustos mutantes... Ufas.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

O meu Capuchinho Vermelho

Aqui há uns meses, fui à apresentação de um projecto de uns tipos cheios de ideias. Daqueles que falam sem parar e acreditam tanto nas ideias que têm que conseguem contagiar quem os ouve. Ao princípio ainda achei que fossem só mais uns Miguéis Gonçalves desta vida mas, como nunca me mandaram bater punho e ainda diziam que os ganhos eram partilhados por todos os intervenientes no projecto, comecei a prestar atenção ao que diziam.
No fundo, a ideia era bastante simples: eles sabiam fazer apps para tablets e smartphones e, por entre as linhas de programação que devem debitar todos os dias, lembraram-se que era capaz de ser giro vender histórias infantis, daquelas que toda a gente conhece menos os putos. Deram o nome de Classic Tales ao projecto e chamaram a malta dos bonecos para dar corpo à ideia.
Acabei por ficar bastante entusiasmado, ainda para mais quando pude escolher o Capuchinho Vermelho para ilustrar. O mais difícil foi arranjar tempo para fazer o trabalho. Isso e escolher um final para a minha versão da história. Descobri milhares de versões diferentes, cada uma mais hardcore que a outra.
Depois de adiar até ao limite do prazo (sou um português convicto), não tive outra hipótese senão fazer as ilustrações nas férias de Verão - duas semanas a levantar-me às 5h30 da manhã para desenhar para depois estar livre para ir para a praia a partir das 11h, quando a Maria se levantava. Tirando o facto de não conseguir acompanhar o que ela dizia a partir das 23h 22h 21h 20h, acho que até correram bem.
Agora, ao fim de uns meses, a minha história e outras cinco de outros tantos talentosos ilustradores estão à venda na appstore, desde ontem. Já há mais um grupo de histórias a entrar num futuro próximo, o que augura um bom futuro para este projecto. Oxalá assim seja. A malta bem que agradece.
Só espero ganhar o suficiente para as próximas férias de Verão. É que posso ter que voltar a trabalhar nessa altura e vou precisar de um bom argumento.

PS - pus um vidro estalado na imagem para o meu sobrinho ver como a história vai aparecer no iPad do pai dele. Ele ainda é pequenito e podia estranhar ver aqui um desenho sem rachas e depois aparecer diferente no iPad que ele pisou e rachou, levando o pai às lágrimas de emoção... Pois, isso.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

O novo Código do Animal de Companhia


Desde que acolhemos um pequeno monstro devorador de seres humanos - como carinhosamente gostamos de o ver - cá em casa que olho para os animais domésticos com outros olhos.
Em casa dos meus pais sempre tivemos animais com fartura, mas estando eles no quintal, a afeição que sentia por eles era muito menor do que tenho por esta bola de pêlo cujo único interesse na vida é arrancar-nos os olhos, espetando neles uma garra de cada vez. Lá, a interacção não ia muito além de algumas festas e de fita-cola nas patas. Aqui é diferente. Especialmente porque aqui, quem manda é o animal. Quem, como eu, viu o filme do Rei Leão sabe que o animal que se empoleira no ponto mais alto da selva é o que manda nos outros.
Por isso fiquei curioso com o novo regime jurídico sobre os animais de companhia. Que diabo, por cá não há só a crise. Tinha esperança que os direitos dos animais viessem reforçados, mas parece-me que se perdeu uma boa oportunidade. Nada de novo, por estas bandas.
Limita-se o número de animais por casa e apartamento, como se todos os apartamentos fossem iguais e como se todos os animais fossem iguais. (E como se todos os vizinhos fossem iguais.) Mas deixam-se de fora os criadores de animais, porque, claro, neste caso a economia sobrepõe-se ao incómodo que os bichos possam fazer. Quando se tenta passar aquilo que é do bom senso para lei, geralmente dá asneira. Em relação à eutanásia para os bichos, parece-me uma boa medida para aqueles casos em que a doença é terminal e gera um sofrimento atroz ao animal. Mas mesmo aqui, pelo que parece daquilo que li aqui, vai ser possível praticar eutanásia em animais doentes (cuja doença possa ser transmitida às pessoas), mesmo que a sua doença seja curável. Ou seja, se o animal estiver doente, o dono leva-o ao veterinário. E depois escolhe o tratamento - um que dá umas chatices de ter que dar medicamentos e tratamentos cuidados mas que demora algum tempo a fazer efeito ou outro que faz efeito imediato e não dá nenhuma chatice. Esquisito.
Mais esquisito ainda é que muitas das associações que recolhem animais das ruas nem sequer foram ouvidas mas aquelas que criam animais com fins económicos até "ajudaram" a criar a nova lei. Acho que nem é preciso dizer mais nada.
É pena que se perca esta oportunidade para legislar em defesa dos animais. Tinha esperança que a lei fosse verdadeiramente mais à frente e que defendesse aquilo que é mais importante e que, de uma vez por todas, retirasse os animais do sofrimento por que muitos passam.
Desde logo, era essencial uma lei que proibisse vestir roupinhas aos bichos e que impedisse que se fizessem penteados com caracóis ou de pêlo esticado. E que proibisse redondamente que, de 30 em 30 segundos, houvesse alguém a pôr uma foto do seu animal no facebook.
E, ah, falta a mais importante - uma lei que proibisse a atribuição de nomes de pessoas casadas comigo a animais. Esta devia ser mesmo punível com pena de prisão de alta segurança.
No outro dia, ia a passar pelo parque quando oiço uma velhota aos berros:
"Ó Dalila, pára com isso! Já te disse, Dalila! DALILAAAA!!!"
Bolas, a pobre da caniche não merecia aquilo. Nem eu.
Olhar de repente para uma velhota aos berros a apontar para alguém na relva, que não se consegue ver à primeira vista quem era, por ter feito as suas necessidades na relva e cujo nome é o mesmo da minha Maria, pode ter um efeito traumatizante numa pessoa.
Já não bastava a outra actriz que faz sempre dela própria ter o nome da minha Maria, agora tenho que levar com a besta da vizinha.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Venham de lá esses armários suecos


A semana passada fui com um colega ver o jogo da Selecção contra Israel no Estádio de Alvalade. Nunca tinha visto o Ronaldo jogar e, na altura, pareceu-nos boa ideia...
Chegámos mais cedo ao estádio para termos tempo de ir à rulote do Rei das Bifanas, mas ainda nem tínhamos tirado a mostarda dos cantos da boca, quando uma rapariga se chegou ao pé de nós para nos fazer um inquérito sobre telecomunicações. O meu colega ofereceu-se logo (nem sei porquê - o decote dela não era assim tão grande) mas eu já só pensava em ir para o estádio. A rapariga sacou do inquérito e começou por querer saber quantos canais ele tinha em casa e a velocidade da internet. Ao fim de 10 minutos, já queria saber qual era o clube dele, se ele ia muito ou pouco ao cinema, o número de telefone, a morada e o nome completo. Já vi técnicas de engate melhores mas, mesmo assim, não estava nada mal. No fim, a rapariga virou-se para mim e perguntou-me se eu também queria. Recusei o convite educadamente. Ainda há coisas em que sou muito conservador.
Entretanto entrámos para procurar os nossos lugares. Quando se tem bilhetes para lugares quase no meio das nuvens, convém ir com algum tempo de antecedência. Encontrei os lugares ao fim de muitos degraus mas o meu colega preveniu-me que os nossos eram na fila 27 e não 21, como me tinha parecido. Olhei para as escadas mas faltou-me a coragem. E então combinámos que se alguém reclamasse os lugares, sairíamos prontamente e iríamos para os nossos, mesmo que para isso ficássemos a bater com a cabeça na cobertura do estádio e o Moutinho, visto de lá, ficasse a parecer da mesma altura que o Ronaldo.
O jogo lá começou e ao meu lado sentou-se um casal de namorados. O tipo devia ter algum problema no pescoço, porque nunca virava a cabeça para o meu lado. Tentei meter conversa, dizendo que o Hugo Almeida é que devia ser o treinador, porque passava o tempo a ver os colegas a jogar, mas o tipo nada. Voltei a mandar umas bacoradas sobre o Nani estar a jogar com chuteiras de betão e por o São Patrício ter deixado a auréola em casa mas nada. Nem para me mandar calar o tipo abriu a boca. Estranhei. A verdade é que eu e o meu colega também estávamos a ficar chateados. Não tínhamos planeado ver um jogo solteiros vs casados, mas pronto. Quando o intervalo chegou, levantámo-nos e passámos por eles para irmos ao wc (em qualidade de wc's o Sporting dá 10-0 ao meu Benfas...). Ao passarmos pelo casalinho, dei conta da namorada estar a azucrinar a cabeça ao homem porque ele não foi capaz de nos dizer que estávamos mal sentados. Eu sei que pareço uma pessoa super inacessível, especialmente quando digo coisas do calibre cultural de "Ruben Micael, és tão mau que nem a Sofia Ribeiro te queria, pá!", ou algo mais sofisticado como "Ó Ronaldo, vai masé pó c******!", mas caramba, sou uma pessoa sensível e bem educada. E aquilo mexeu com os meus sentimentos.
Tanto que depois do intervalo não voltámos àqueles lugares, nem aos nossos que, por aquela altura, já estavam ocupados. Preferimos ficar nas escadas ao fundo da bancada. Não se via grande coisa mas pelo menos ninguém teve cãibras nas pernas - escalar uma bancada não é para qualquer um.
E só tive pena que não desse mesmo para ver nada. Mas bem, o golo de Israel a 5 minutos do fim teve os seus pontos positivos: deu para acordar o pessoal das bancadas (se não fosse aquilo, os seguranças do estádio iam ter que andar de banco em banco no fim do jogo a acordar as pessoas) e fez com que o Rui Patrício pudesse pronunciar as suas palavras imortais, no fim do jogo:
"Bem, agora o que é preciso é levantar a cabeça."
E agora venha de lá o Ibrahimovic, desculpem, a Suécia. Se não adormecermos, até os comemos.