sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Desconfiem sempre dos furúnculos que se mexem


Eram três da manhã e as dores eram tão insuportáveis que me já impediam de dormir. Ao longo daquela semana, o que começara como uma leve impressão na nádega direita, tinha-se tornado numa dor avassaladora. Aos poucos, tinha deixado de me conseguir sentar direito, deitar-me de lado era impossível e andar já me começava a custar. Até as calças já me doíam só de as vestir.
Eu conhecia bem aquela sensação: furúnculos no rabo foi um petisco que a minha adolescência me reservou durante uns anitos, dia sim, dia sim. Se nos primeiros me tinha apressado a espremê-los, sofrendo ainda mais com isso, não tardou que me habituasse a nem sequer lhes tocar, para não infectarem e passarem mais depressa. Na adolescência eu até entendi a coisa - foi o preço a pagar para me tornar num belo e possante macho latino, capaz de deixar qualquer miúda doida com o seu rabo peludo. Mas aos 32 anos? Aquilo era estranho mas o que é certo é que o hábito de não lhes mexer ficou e, por mais que a dor fosse aumentando, durante uma semana nem lhe toquei.
Mas naquela noite estava a ser demais. Já ia sendo tempo daquela coisa secar e desaparecer. Já em desespero, passo lá a mão para ter noção do vulcão que se estaria ali a preparar. Ao sentir aquele Evereste nos dedos, o primeiro pensamento que me ocorreu foi:
"Que engraçado. Já não tinha borbulhas no rabo há tanto tempo que até já me tinha esquecido que elas se mexem..."
Meio segundo depois, o horror, o desespero, a maturidade de um puto de 10 anos apoderam-se de mim. Eu não conseguia ver mas tinha a certeza do que ia gritar aos ouvidos da Maria, que dormia indiferente à tragédia que se estava ali a preparar:
"Tenho uma carraça no rabo! Acorda! ´Tás a ouvir? Teno uma carraça no raabooooo..."
Baixo os boxers e a Maria, meio ensonada, exclama:
- Ahhhhh, tão grande!
- Eu sei mas preocupa-te agora com a carraça, caneco. É mesmo uma carraça?
- É e está a entrar para dentro do teu rabo. É como aquelas que se vêem nos cães vadios...
- Não pode ser assim tão grande...
- É é. É enorme!
Se precisarem de alguém que diga umas mentiritas para se sentirem melhor, não chamem a Maria. A sério. À minha cabeça começavam a chegar imagens de um acampamento onde eu tinha estado na semana anterior e onde um miúdo de uns 12 anos tinha apanhado uma nas costas e, após muito escarafunchar com uma pinça, teve que ser levado para o Centro de Saúde onde lhe fizeram um corte a sangue frio para a tirar (que lhe coseram novamente a sangue frio). Se um miúdo com 12 se tinha fartado de chorar, era certinho que eu també...
- Não não, não a tentes tirar directamente com as mãos! Vai buscar uma pinça! Ai meu Deus... estou perdido...
Vinte segundos depois, que pareceram uma eternidade, a Maria voltava com a pinça das sobrancelhas.
- É melhor desinfectar isto. Sabes onde está o álcool?
- Eu não, não faço ideia, procura. Mas despacha-te!
- Já procurei e acho que não temos. Se tivéssemos vodka como nos filmes... Achas que se passar a pinça por Licor Beirão faz o mesmo efeito?
- Ao preço que ele está? Esquece isso. Usa água oxigenada.
De regresso ao quarto já toda equipada, a Maria despeja-me água oxigenada em cima da bicha. Estava a cerrar os dentes a preparar-me para um ardor lancinante quando... nada. Não senti nada. A água oxigenada já estava mais que morta...
- Bem, vou começar a tirá-la.
Depois da Maria ter dito aquilo, tive a sensação do tempo ter parado. Não que eu tivesse deixado de falar aos berros, para a ajudar a concentrar-se para tirar melhor a carraça, claro. Mas a possibilidade de lá ficar a cabeça enfiada, ou uma pata que fosse, e ter que ir ao hospital abrir um buraco (num sítio onde já tinha um que chegava perfeitamente) era assustadora.
Ao fim de dois minutos, o prognóstico:
- Pronto, tirei tudo. Consegui que ela saísse inteira.
- A sério, não ficou lá nada? Olha que se ficar uma pata, infecta. Tiraste mesmo tudo? Tiraste? Tens a certeza? Nem uma orelhita lá ficou? Nada? Contaste as patas? Não contaste as patas! Pode lá ter ficado alguma! Tens a certeza? Não estás muito convincente... Mostra lá o que saiu.
- Dorme! Saiu tudo e não ta vou mostrar. Era enorme.
- Enorme? Enorme mesmo? Enorme como? Ai que caneco. Se calhar tinha mais patas que as outras... Pronto, já estou tramado... Saiu mesmo tudo? Ainda sinto aqui um alto!... Ficou cá alguma coisa. Eu estou a sentir... Devíamos ter usado o Licor Beirão... Pronto, eu sabia.
- Tá inchado. Dorme. Até amanhã.

Agora a sério, eu não sou assim tão lingrinhas. Só precisei de um mês para deixar de achar que cada comichãozita que sentia era uma carraça. E, depois disto, também só tentei arrancar dois sinais das costas, em duas ocasiões em que estava sozinho em casa, por achar que os sacanas se tinham mexido. Ah, e arranquei também uma crosta de uma ferida que tinha ao pé do rabo, que até me arregalei de dor. Mas essa eu tenho a certeza que se mexeu. De certezinha. Mesmo a gozar comigo. Era uma crosta de uma mordidela do gato, mas mexeu-se.
Ou não fosse eu um macho latino com o rabo cheio de pêlo.

3 comentários: