quarta-feira, 3 de abril de 2013

As aparências iludem, mas assim é que é giro

Aqui há tempos, numa volta que dei pela Serra da Lousã com um amigo (não, o jipe de senhora não é meu), acabámos a tomar café numa aldeia por lá perdida. Antes de entrarmos no café, o meu colega preveniu-me de que aquele estabelecimento tinha sido violentamente assaltado há pouco tempo e que os gandulos não tinham sido apanhados ainda. Registei a preocupação dele, passei a mão pela minha barba de 3 semanas e pelo meu cabelo despenteado de 6 meses e fiquei a pensar por breves segundos no bom que seria perceber se um gajo é ou não gatuno só de olhar para o seu aspecto e, assim, capturá-lo sem dificuldade. Seria, sem dúvida, uma sociedade muito mais segura.
Entrámos no café, dirigimo-nos ao balcão e, para além dos dois cafés, perguntei se seria possível deixar o meu telemóvel a carregar. A dona ficou a olhar para nós especada e, com a voz meio a tremer, respondeu-nos, olhando para os dois velhotes ao nosso lado no balcão, que deviam ser conhecidos dela:
"- Ah... pois, não vai dar para carregar o telemóvel. Eu estou mesmo de saída e vou ter que fechar o café. E vocês os dois também já iam sair, não é?"
Os velhotes acenaram que sim mas, como sou um verdadeiro expert na interpretação da linguagem corporal das pessoas, percebi de imediato o que se estava ali a passar. A senhora, sabendo que não teria tempo de carregar o meu telemóvel até ao fim, e não querendo ser responsável por lhe viciar a bateria, recusou o meu pedido e inventou uma desculpa. Assim, para deixar a senhora descansada quanto aos danos possíveis no meu tijolo, insisti:
"- Não se preocupe. Se puder deixar a carregar mesmo que sejam só 5 minutos eu agradecia. Precisava mesmo de fazer uma chamada e isso já seria o suficiente."
A senhora voltou a insistir mais duas vezes mas com uma técnica infalível consegui levar a minha avante. Sim, insisti três.
Como a dona e os outros dois velhotes não paravam de olhar para nós em silêncio enquanto bebíamos o nosso café, o meu colega resolveu meter conversa, a ver se o ambiente aliviava qualquer coisita:
"- Sabe quem é que eu sou? Sou filho do Zé que é cunhado da Maria e tem um primo e este (eu) é o filho da professora da primária."
Bem, aquilo foi como quando Moisés abriu o mar a meio. A senhora reconheceu o meu colega e começou logo a rir de alívio e admitiu que não tinha que fechar o café mas que andava cheia de medo de cada vez que entravam desconhecidos, por causa do assalto. Já um dos velhotes disse logo:
"- Eu logo vi que eram boas pessoas. Eu vi logo! VI LOGO! Eu vi logo! Eu vi logo. Eu logo vi. Vi pois. Eu logo vi!"
Já eu não fiquei nada bem com aquele desfecho. Aparentemente, a mulher achava-me com aspecto cara de gatuno e, pior do que isso, não parecia nada preocupada com a bateria do telemóvel. Sim senhor que cheguei lá num jipe de senhora enlameado, sim senhor que tenho pilosidade na cara para me proteger do frio, sim senhor que comprei um Nokia e sim senhor que devia levar um enxerto de pancada por causa disso, mas não era preciso ser tão insensível. Mas lá está, também eu me enganei a respeito da senhora. Depois de ela pedir desculpas por aquele embaraço, virou-se para mim e, quando tudo apontava para que desabafasse "- Coitada da professora. Não merecia...", exlamou:
"- Olhe, pode deixar o telemóvel a carregar o tempo que quiser!"
Até me vieram as lágrimas aos olhos. Ficámos mais 5 minutos, agradecemos e viemos embora. Saímos do café, que estava à meia-luz, em direcção ao sol que entrava pela porta, ao som de:
"- Eu logo vi. Eu até tinha dito a ele que eram boas pessoas. Eu logo vi! Vi sim senhor... Boas pessoas. Eu logo vi...."
Parecia uma cena de filme. Épico.

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