terça-feira, 15 de maio de 2012

Começa-se pela água e não se pára mais


Estava eu, aqui há tempos, à espera de um autocarro junto à Estação Nova, em Coimbra, quando dei conta que tinha aberto um novo café, num edifício histórico, restaurado, mesmo em frente à estação. Como tinha tempo, fui lá tomar um café e aproveitei para ficar a conhecer o dito por dentro.
Mal acabo de pedir um café ao balcão para levar para a esplanada, entra um miúdo dos seus 10 anos e pede ao empregado um copo de água da torneira. O empregado olha para ele, espreita pela porta da rua, encolhe os ombros, torce o nariz e lá acaba por dar o copo ao rapaz. Aquele torcer de nariz trouxe-me à memória velhas recordações. Era um torcer de nariz que dizia claramente "Só te dou o copo de água porque és um miúdo com sede e provavelmente sem dinheiro e ainda por cima estás sozinho, sem os teus pais, porque isto não é a Santa Casa." e, naquele momento, senti saudades do tempo em que, também eu, pedia um copinho de água sem fazer qualquer despesa. A vida tem sempre mais piada quando não nos damos conta de que irritamos as pessoas com os nossos actos. Enfim, velhos tempos e pensar que já foram para aí há duas semanas. O tempo não pára.
Nisto, eu pego no meu café e venho para a esplanada, que fica no passeio da rua. À porta, disfarçadamente, um casal espreitava para dentro do café. Achei aquilo meio estranho, mas podiam estar só a ver se gostavam do aspecto do café e a decidir se entravam ou não.
Cinco segundos depois, sai o miúdo para a rua, dando palmadinhas na barriga com ar de satisfeito. Quando o miúdo sai, o casal chama-o em surdina para um local onde não fossem vistos de dentro do café e perguntam-lhe, com ar mafioso: "Então, já está?" O miúdo acena que sim com a cabeça, todo sorridente e o homem dá-lhe uma palmadinha nas costas, com uma alegria esfuziante. Os três, prosseguem no seu passeio.
E foi aí que percebi tudo. Aquilo não tinha sido um pedido desesperado de água para matar a sede. Aquilo tinha sido, claramente, um teste dos pais para ver se o filho tinha futuro assegurado. Tal como os pais que levam os filhos aos treinos de captação de futebol e ficam todos satisfeitos quando vêem que os miúdos já sabem chutar a bola, aqueles pais também levaram o filho ao treino de captação para gatunos. Sim sim, para gatunos. E o filho passou com distinção nos itens "cara de coitadinho", "indiferença a maus tratos psicológicos por parte do assaltado" e "rapidez de movimentos".
De pequenino é que se torce o pepino, há pois é.

4 comentários:

  1. E a seguir foram almoçar da mesma forma.

    Mais uma grande ilustração.

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  2. Eu fiz isso muitas vezes! Mas nunca com a ordem dos meus pais.
    É um pouco má onda a cena dos pais.

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  3. POC, foram almoçar, jantar, dormir num hotel... É preciso é ter lata!

    faa, eu também fiz, mas nunca tive ninguém à espera para me dar os parabéns... :D

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  4. E a seguir o pai começou a coxear e a mãe a dizer "AAAAAAIiiiiiiiiiiii" a ver se ainda vinha um pãozinho por arrasto com a água do puto...

    http://confissoesdarosana.blogspot.com/

    Abraços (adorei o post)

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